— Então, gostaste do discurso da Ursula?
A Vanessa interrompeu-me enquanto eu estava no niksen, que é a mais recente tendência vinda da Europa do Norte. O niksen é não fazer nada de útil e foi recentemente cunhado na Holanda, embora eu o pratique desde que me conheço, quando posso.
Enquanto Mrs von der Leyen discursava no Parlamento Europeu, eu dedicava-me a uma folga, depois de um fim-de-semana na redacção do PÚBLICO.
— Não ouvi o discurso todo, estava no niksen. Só vi as notícias.
— Estavas onde?
— No niksen.
Claramente, a Vanessa ainda não sabia o que era o niksen. O conceito holandês. Quanto à substância, o não fazer nada, ela também é boa nisso.
— O niksen é uma nova tendência, mas que tu na realidade já praticas. É não fazer nada. Quanto muito, dar um passeio, fazer tricot.
— Eu não faço tricot. Mas isso não era o hygge?
A Vanessa confundiu as tendências do Norte da Europa, o que me parecia normal, já que assim como assim não traziam grande coisa de novo ao que nós e as nossas avós sempre soubemos.
— O hygge era mais lareira, mantas e chocolate quente. Eu estou no niksen, até porque não está tanto frio assim e a ideia de não fazer nada para mim não é nova.
A Vanessa queria mesmo discutir a nova presidente da Comissão Europeia, manifestando-se completamente nas tintas no meu empenho em passar um dia no niksen.
— Gostei dela, declarou a Vanessa com bastante convicção.
— Do que eu vi nos telejornais, pelo menos na questão do ambiente e igualdade de género pareceu-me bem.
— E a gaja é gira. E já tem 60 anos, viste? Achas que vou conseguir estar assim aos 60?
— Também não falta muito, disse eu, para chatear.
— Ainda falta, caraças. És estuporada. Mas aquilo de fazer a Comissão Europeia com tantas mulheres como homens é bom, não é?
Eu achei que sim, era. E, apesar do Partido Popular Europeu não ter coragem para expulsar Viktor Órban – e Órban estar cada vez mais influente depois da “auto-suspensão” – a verdade é que a saída de cena do Juncker, e das bebedeiras do Juncker, era pelo menos um descanso para os olhos.
A Vanessa estava entusiasmada com a Ursula.
— Gostei dela, gostei dela. E achei graça à maneira queridinha como falou no “Brexit”. Não hostilizou, ao contrário do que tem acontecido.
Não é que alguma coisa fosse mudar relativamente ao “Brexit”. Com Boris Johnson a querer remover o acordo do backstop irlandês ou a Ursula arranjava um milagre ou o no-deal estava certinho em Outubro.
— Olha e como é que ela conseguiu ter sete filhos? Sete!!! Eu tive três e sei como foi.
— Deve ter um marido fabuloso. E pais. E irmãos. E dinheiro. Não sei.
— Para mim o maior mistério da Ursula nem são as dúvidas sobre a contratação do material militar. São os sete filhos. Esta coisa dos sete filhos faz-nos a todas sentir underperformer. Tu gostas de te sentir underperformer?
Às vezes, a Vanessa resolvia falar em inglês. Mas a pronúncia era tão má que o me ocorreu foi abreviar a conversa e voltar para o niksen.