Perícias Médico-Legais: garante da justiça ou abertura à liberalização desregulada?

A relação familiar deve também ser proibida em contexto pericial, evitando o óbvio conflito de interesses. A participação do perito, de forma directa ou indirecta, na estrutura à qual é requisitada ou ordenada a perícia, deve ser igualmente impedida, pelos mesmos motivos.

A Proposta de Lei n.º 200/XIII, que visa alterar o regime jurídico da realização das perícias médico-legais e forenses, tem provocado forte agitação no seio da classe médica e de entidades que se dedicam à actividade pericial, nomeadamente no âmbito da Medicina Legal. Ocupa um aspecto central no domínio público, devido à eventual perda de isenção e independência, que poderá decorrer da sua aprovação.

Tal sucede porque existem pressupostos fundamentais que não estão assegurados e que se relacionam com a garantia inequívoca de idoneidade, independência, isenção, ausência de incompatibilidades e de conflito de interesses, valores indispensáveis para a concretização da justiça num Estado de Direito. São de resto, os mesmos valores que conferem ao Cidadão a virtude de ser avaliado imparcialmente num sistema sem vícios. 

Quando uma proposta que se quer salutar para os cidadãos, não acautela potenciais riscos, com inerente compromisso das premissas decisórias, abrem-se caminhos ocultos e incertos que podem conduzir à legítima dúvida sobre a decisão efectiva.

O perito não deve estar sujeito a quaisquer constrangimentos de ordem técnica, financeira ou institucional e não deve ter quaisquer atitudes ou comportamentos tendenciosos, nem tampouco deve exercer funções incompatíveis. Deve executar o acto médico pericial com imparcialidade, isenção e independência, cumprindo as orientações técnicas vigentes para uma adequada execução da perícia.

A título de exemplo, o exercício simultâneo de funções enquanto Médico Assistente e Médico com funções periciais, deve ser vedado, o que, aliás, concorda com o estabelecido no Código Deontológico da Ordem dos Médicos. Isto acautela que o Médico que participe em acto distinto do pericial, para determinado indivíduo, intervenha, sem a garantia de isenção para a respectiva perícia.

Um outro aspecto a valorizar neste contexto, prende-se com a necessária restrição de toda a actividade pericial a Entidades médicas, preferencialmente especializadas. A relação familiar deve também ser proibida em contexto pericial, evitando o óbvio conflito de interesses. A participação do perito, de forma directa ou indirecta, na estrutura à qual é requisitada ou ordenada a perícia, deve ser igualmente impedida, pelos mesmos motivos. O perito também não deve, em circunstância alguma, participar em processo que envolva directa ou indirectamente entidade com a qual mantenha relação laboral.

Devem, ainda, ser vedadas todas e quaisquer funções periciais ao médico com relação, directa ou indirecta, a companhias de seguros. Estas estão frequentemente envolvidas em processos de litígio com os cidadãos e, por isso, serão eventualmente parte interessada.

Sendo os princípios enunciados nucleares, outras situações existem que deverão merecer igual reflexão por poderem limitar a credibilidade e consequente aceitabilidade dos actos em causa. Defende-se também a nulidade dos actos que não cumpram estes princípios, indo, deste modo, ao encontro do principal objecto da matéria: a verdade e concretização da justiça sem que a arbitrariedade de princípios e valores prevaleça.

A aplicação de um regime de incompatibilidades e impedimentos ao médico com funções periciais (perito) é, pois, imperativa.

Os decisores políticos devem demonstrar o seu verdadeiro sentido de preocupação com os cidadãos, garantindo na legislação a inequívoca idoneidade, independência, isenção das perícias.

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