Tomé de Barros Queiroz, uma justa memória familiar
Um livro agora lançado dá-nos o retrato até à data mais completo de Tomé de Barros Queiroz, no canto e na vida pública
Já havia alguns livros (poucos) onde o nome de Tomé de Barros Queiroz surgia associado à sua carreira de cantor, como a Enciclopédia da Música Ligeira Portuguesa (ed. Círculo de Leitores, 1998) ou Memórias dos Artistas (ed. Fundação GDA, 2012), mas faltava um onde essa profissão e as outras que se lhe seguiram fossem enquadradas nos seus 88 anos de vida. Ora esse livro foi lançado no dia 2 de Julho, na Sociedade Portuguesa de Autores, em Lisboa, na presença de familiares, amigos e admiradores, numa sessão evocativa. Curiosamente, o livro Tomé de Barros Queiroz – A Arte de Brilhar no Palco e na Vida (assinado por Miguel Ferraz, da direcção da SPA, também ele ligado por laços familiares ao biografado) tem uma tiragem limitada e não será comercializado, por decisão da família. É, apenas, para partilhar.
O que levou a este livro? Como disse um dos filhos ali presentes, a ex-bailarina e hoje cantora Adriana Queiroz, foi a vontade de Mimi Gaspar (presente, na primeira fila): “Este livro é a maior prova de amor que eu vi um ser humano dar a outro. A minha mãe decidiu tornar a vida do meu pai palpável para todos aqueles que o conheceram. A minha mãe queria ter o seu livro, o livro dele, para poder pegar no livro, olhar para ele e continuar a ter o Tomé nas mãos e ao pé do coração.” Na sessão, onde o livro foi apresentado por Albérico Fernandes, foi também projectado um vídeo caseiro, feito por Adriana e pelo seu sobrinho Diogo, ao som do In the mood de Glenn Miller.
A par desta justa memória familiar, ainda assim restrita, há uma memória mais vasta devida a Tomé de Barros Queiroz que o livro vem avivar e, para alguns, tornar conhecida. Desde logo o facto de ser neto de um outro Tomé, este com agá, Thomé de Barros Queiroz (1872-1926), que foi ministro das Finanças, ministro da Instrução Pública e primeiro-ministro (chamava-se, à época, a este cargo, presidente do Ministério) da I República.
Comerciante e conhecido pela sua lisura nas contas, não aceitava receber por cargos públicos (“os deveres não se pagam”, dizia ele, e recorda-se agora no livro) nem utilizava a viatura que lhe punham à disposição. Andava de eléctrico e fazia questão de pagar bilhete. Isso mesmo recordou o neto, Tomé, numa homenagem a Thomé (que dá nome a uma rua de Lisboa), em 5 de Outubro de 2010.
Mas voltemos a Tomé, sem agá. Nascido Tomé Faria de Barros Queiroz, em Sintra, em 6 de Maio de 1926 (vinte dias antes de eclodir o golpe militar que no dia 28 derrubou a República), faz a primária nas Azenhas do Mar e completa o liceu em Queluz. Depois vai para Direito, em Lisboa, e ali enamora-se de uma jovem de 13 anos (ele tinha 19) cuja família “tinha fortes raízes na música”. Mas, antes, por lhe ser detectada asma aguda, é aconselhado a ter aulas de canto e, com 18 anos, ganha um certificado que o habilita como Cantor de Ópera e Opereta. Isso e a proximidade com Maria Luísa Martins Gaspar (Mimi), com quem viria a casar-se em 1952, vivendo com ela toda a sua vida, afastaram-no dos estudos em benefício do canto.
E é assim que Tomé e Mimi se tornam uma dupla célebre da época, no teatro musicado, em operetas e múltiplas revistas. Triunfam também no Brasil, por “três anos consecutivos”, cruzando-se ali com Amália, bem como em Paris, Londres, Bruxelas ou África do Sul. O livro reúne várias histórias e testemunhos destas viagens. Como esta: uma noite, em Paris, o genial mimo Marcel Marceau atravessa a rua, estende a mão a Tomé (que ia para casa a pé, após o espectáculo) e quando este pergunta “Porquê?”, ouve Marcel responder: “Parce que vous êtes un artiste!”
Depois, certo dia, o mundo mudou. Nasceram-lhes filhos (Carlos, em 1960; Adriana, em 1963) e chegaram os Beatles. A intuição de Tomé anteviu uma crise e optou pela retirada progressiva dos palcos. Não da vida, de modo algum. Tornou-se empresário (de novo a exemplo do avô), apostou na publicidade (fundou a Publirama, à qual viriam a estar ligados Ary dos Santos e Sttau Monteiro, e mais tarde a RED), investiu em produções na rádio (Rádio Ribatejo, Rádio Renascença) e também na televisão, envolveu-se na Volta a Portugal em Bicicleta, na fundação da Casa do Artista (foi o sócio fundador n.º 2, logo a seguir a Armando Cortez) e na defesa dos direitos dos animais, assumindo a direcção da Sociedade Protectora dos Animais, cargo que já fora ocupado pelo seu pai, Carlos de Barros Queiroz.
Homenageado por várias vezes, em Portugal e fora dele, morreu em 13 de Março de 2015, com quase 89 anos. O livro, apesar da circulação restrita, dá-nos o retrato até à data mais completo de Tomé de Barros Queiroz.