Como se reforça a endogamia no Ensino Superior

Esta medida avulsa é mais um triste exemplo daquele conjunto de pequenas decisões que, passa a passo, reforçam no dia a dia o sistema de compadrio que corrói a administração pública portuguesa.

O Governo fez publicar, em 28 de junho passado, uma alteração aos Estatutos das Carreiras Docentes Universitária (ECDU) e Politécnica (ECDP), que promove descaradamente a endogamia: cria um novo tipo de concursos, ditos de “promoção”, a que só os professores da própria instituição podem concorrer.

Todos os concursos atuais têm de ser internacionais, mas mesmo assim já existe um grande enviesamento: a larga maioria são ganhos por professores da própria instituição. O recente relatório da OCDE sobre o ensino superior português, feito a pedido do Governo e publicado no início deste ano, aponta detalhadamente os efeitos nefastos da endogamia. Inclui mesmo uma recomendação explícita de luta contra ela (recomendação 7.3). Infelizmente, o Governo ignorou o estudo que solicitou e fez exatamente o contrário: agora os concursos podem ser oficialmente reservados apenas aos professores da casa.

Este novo tipo de concurso surge discretamente, escondido no meio do Decreto-Lei de Execução Orçamental de 2019 (DL 84/2019): artigos 76.º e 77.º. É surpreendente que o Governo faça alterações com tanto alcance por esta via. Para uma mudança com esta relevância, esperar-se-ia um debate alargado, uma ponderação das vantagens e inconvenientes. Não. Foi usado um expediente, pendurando uma alteração deste calibre num decreto de execução orçamental, cujo foco é inteiramente distinto.

Acresce que a estes concursos só podem concorrer professores da própria instituição que estejam há pelo menos dez anos na mesma categoria. Um outro professor da mesma instituição, mesmo que seja muito melhor, se tiver menos de dez anos na carreira, não pode concorrer. Isto é: conta a idade, não o mérito. Quando o professor melhor chegar aos dez anos de carreira, o mais velho, mesmo que muito mais fraco, estará já a ocupar o lugar, e será preciso esperar pela respetiva aposentação. A idade volta a ser um elemento decisivo para a promoção!

É certo que estes concursos só podem ser abertos se houver pelo menos dois professores da instituição em condições de concorrer, mas nada impede que o número de vagas seja igual ao número de candidatos, pelo que será um perfeito concurso com fotografia: nem seleção existirá, por pouca que fosse. É o Governo a promover a mediocridade.

É óbvio o que vai acontecer: os muitos professores que sabem que não têm hipótese de ganhar um concurso internacional vão entrar em frenesim, a pressionar as suas universidades para lhes abrirem concursos aconchegados. Para além disso, a pouca capacidade de contratação permitida pelos curtos orçamentos atuais é gasta internamente, num fechamento completo.

Esta medida avulsa é mais um triste exemplo daquele conjunto de pequenas decisões que, passa a passo, reforçam no dia a dia o sistema de compadrio que corrói a administração pública portuguesa. Nunca seremos verdadeiramente competitivos em termos internacionais com medidas como esta. É esta a política de pessoal para o ensino superior deste Governo?

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

 
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