Mais de 40 mortos em centro de detenção de migrantes na Líbia é “crime de guerra”

Ataque aéreo foi lançado pelas forças do governo paralelo, que tenta conquistar a capital ao Governo reconhecido pela ONU. Representante da Missão das Nações Unidas fala em “crime de guerra”.

O que resta do centro de detenção, no rescaldo do ataque
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O que resta do centro de detenção, no rescaldo do ataque Reuters/ISMAIL ZITOUNY
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Pelo menos 44 migrantes morreram e 130 ficaram feridos num ataque aéreo que atingiu um centro de detenção nos arredores da capital da Líbia, Trípoli, com capacidade para 600 pessoas.

O ataque foi lançado pelas forças lideradas pelo general Khalifa Haftar, que controlam a zona Leste do país a partir de cidades como Bengasi e Tobruk, e que tentam há três meses conquistar a capital ao Governo reconhecido pelas Nações Unidas.

Malek Mersek, porta-voz dos serviços de emergência da Líbia, disse que o centro de detenção atacado situa-se em Tajoura, a uma dezena de quilómetros da capital, perto de um acampamento militar.

Num comunicado, o Governo de Trípoli condenou o ataque “hediondo e premeditado” das forças de Khalifa Haftar, a quem se refere como “um criminoso de guerra”. E o chefe da missão das Nações Unidas na Líbia, Ghassan Salama, disse que o ataque “está claramente ao nível de um crime de guerra”.

Um representante do Ministério da Saúde, o médico Khalid Bin Attia, deslocou-se ao local dos ataques e descreveu o que viu à BBC: “As pessoas estavam em todo o lado, o campo estava destruído, as pessoas a chorar. Há trauma psicológico, a electricidade foi cortada.”

“Não conseguíamos ver bem a área, mas quando a ambulância chegou foi horrível, havia sangue em todo o lado e pedaços das vísceras de alguém”, disse.

Imagens partilhadas nas redes sociais mostram migrantes africanos a serem operados num hospital após o ataque. Outros estavam apenas deitados em camas, alguns cobertos de pó e com o corpo enfaixado com gaze.

Condições “desumanas"

A Líbia é um dos principais pontos de partida de migrantes africanos para a Europa, em fuga da pobreza extrema, de guerras e perseguições.

Muitos dos que conseguem partir acabam por morrer na travessia do mar Mediterrâneo, outros são resgatados e detidos pelas autoridades ou proibidos de entrar em território italiano.

Mas muitos outros são travados ainda na Líbia pelas autoridades locais, com a colaboração da União Europeia, e postos em centros de detenção. À volta da capital líbia, mas também durante o trajecto que fazem, em condições difíceis, desde os países da África subsariana, muitos migrantes são também capturados por grupos criminosos, espancados e forçados a trabalhar como escravos ou, no caso das mulheres, postas em redes de prostituição.

Várias organizações de defesa dos direitos humanos descrevem as condições nos centros de detenção controlados pelo Governo da Líbia como “desumanas”.

Consequências para a Europa

A cidade de Tajoura, a leste de Trípoli, é a base de várias instalações militares das forças do Governo reconhecido internacionalmente e tem sido alvo de ataques nas últimas semanas.

Na segunda-feira, o Exército Nacional Líbio, liderado pelo general Haftar — que se assume como representante de um governo paralelo —, disse que iria lançar ataques aéreos em Trípoli, depois de terem chegado ao fim os “meios tradicionais”.

Um responsável do exército de Haftar disse à Reuters, sob anonimato, que o ataque contra o centro de detenção foi lançado por milícias e que o ataque aéreo atingiu um acampamento militar “com precisão”.

A ofensiva de Khlaifa Haftar, lançada há três meses, tem falhado o objectivo de tomar Trípoli. E, na semana passada, as forças do governo paralelo perderam a sua principal base avançada em Gharyan.

Os dois lados são apoiados por potências regionais — as forças de Haftar pelos Emirados Árabes Unidos e Egipto, e o Governo de Trípoli pela Turquia.

O conflito pelo controlo da Líbia pode abrir caminho aos grupos extremistas islâmicos, perturbar ainda mais o fornecimento de petróleo e desregular as partidas de migrantes para a Europa.

União Europeia condena “horrível ataque” aéreo

 Federica Mogherini, Alta Representante da União Europeia para a Política Externa e Segurança afirmou, em comunicado, que “a União Europeia junta-se a um apelo da ONU para que seja aberta imediatamente uma investigação sobre a autoria deste horrível ataque”.

“A violência contra civis, incluindo refugiados e migrantes, é completamente inaceitável e deploramo-la nos mais fortes termos”, acrescentou a chefe da diplomacia europeia. 

Pelo menos 40 pessoas morreram na sequência de um ataque aéreo que atingiu, na noite de terça-feira, um centro de detenção de migrantes nos arredores da capital líbia, Tripoli, segundo o balanço das autoridades líbias.

Em Abril, as forças lideradas pelo marechal Khalifa Haftar, o homem forte da facção que controla o Leste da Líbia e que disputa o poder político líbio, lançaram uma ofensiva contra Tripoli, onde está o Governo de Acordo Nacional, estabelecido em 2015 e reconhecido pela comunidade internacional (incluindo pelas Nações Unidas).