Banco de Portugal está contra decisão da CGD de reter juros
Regulador já comunicou a sua posição à CGD e espera que o banco público volte atrás na decisão de não pagar juros abaixo do valor de um euro nos depósitos
O Banco de Portugal (BdP) já fez saber à Caixa Geral de Depósitos a sua oposição relativamente ao não pagamento de juros nas contas de depósito, quando o valor ficar abaixo de um euro. Em resposta aos jornalistas que o questionaram sobre a matéria, o supervisor não revela o que comunicou à Caixa, mas o PÚBLICO sabe que a entidade liderada por Carlos Costa está contra a decisão.
O Banco de Portugal tem ainda expectativa de que a instituição liderada por Paulo Macedo volte atrás na decisão, que penaliza particularmente os pequenos depositantes, como noticiou o PÚBLICO esta segunda-feira.
“O Banco de Portugal já transmitiu à Caixa Geral de Depósitos a sua posição relativamente à política de pagamento de juros de depósitos a prazo recentemente anunciada por esta instituição de crédito”, responde o BdP, sem dar mais detalhes sobre o que foi transmitido.
A CGD ainda não esclareceu se vai recuar, mas não é habitual os bancos assumirem uma posição de força contra as orientações do supervisor.
Com a posição de desagrado transmitida à Caixa, o BdP pretenderá travar a imitação por parte de outras entidades bancárias, um risco para o qual alertou António Ribeiro, economista da Deco Proteste. Para além do risco de redundância, frequente no sector bancário, a retenção de juros pode gerar desconfiança a uma parte dos depositantes, particularmente junto dos menos informados.
Em simultâneo com a decisão de retenção de juros, o banco público, que em 2018 apresentou lucros consolidados recorde de quase 500 milhões de euros, reduziu, em 70%, os juros de alguns depósitos. A decisão abrange os depósitos de taxa fixa Caixapoupança Reformado, em número ainda apreciável, e a Caixapoupança Emigrante e Caixapoupança Superior. E também as contas Caixapoupança Mais Reformado, Poupança Caixa Empreender e Caixapoupança Condomínio, ainda activas. Nestes depósitos, os juros, pagos semestralmente, passam de 0,05% para 0,015%. Ou seja, já estavam perto de zero, mas a partir de 1 de Agosto aproximam-se ainda mais desse patamar.
De acordo com cálculos de António Ribeiro, os depósitos de montante até cerca de sete mil euros (com a taxa de 0,015%) deixam de pagar qualquer remuneração. Os juros de outros depósitos, de pequeno montante, mesmo com taxas um pouco mais altas, facilmente são anulados pela decisão de não pagar valores inferiores a um euro.
A decisão de reter os juros abaixo de um euro ilíquido, que já foi comunicada aos clientes para entrar em vigor a 1 de Agosto, levou o Bloco de Esquerda a pedir esclarecimentos ao Governo. Na pergunta que endereçou ao Ministério das Finanças, que este ano encaixou 200 milhões de euros em dividendos do banco público (relativos aos lucros de 2017), o Bloco considera a medida “inclassificável e incompreensível a todos os níveis”.
A Deco considera a decisão “imoral”. Em declarações ao PÚBLICO, António Ribeiro criticou a estratégia da instituição, que diz estar a ser “comercialmente muito agressiva”. Apesar de considerar que a retenção de juros pode não ser ilegal, é “uma medida imoral e um sinal contrário ao que deveria ser dado pelo banco do Estado”, defende o especialista em Poupança, que destaca ainda que do banco público se espera que seja “um exemplo na forma de tratamento dos aforradores, zelando pelos seus interesses e incentivando a poupança, especialmente as poupanças dos mais desfavorecidos, com menos recursos financeiros, ainda que o contexto de baixas taxas de juro não permita remunerações muito elevadas”.
Actualmente, pelo menos um banco, o BPI, já não paga juros em determinados depósitos a prazo, independentemente do montante depositado. O que é diferente da decisão da Caixa de reter juros, quando ficam abaixo de determinado valor, que acaba por prejudicar os pequenos montantes depositados na instituição.
Em resposta a questões colocadas pelo PÚBLICO, no final da semana passada, a instituição assume a discriminação negativa dos pequenos aforradores, ao admitir que oferece taxas de juros um pouco mais atractivas para depósitos mais elevados ou para clientes com maior envolvência com o banco. “Actualmente, a Caixa oferece um Depósito a 1 ano em euros (Depósito Caixa 1 Ano com TANB -Taxa Anual Nominal Bruta de 0,025% para valores a partir de 10 mil euros) e um Depósito a 3 anos em euros (TANB média de 0,037%) exclusivamente para clientes detentores de uma Conta Caixa (solução multiproduto da Caixa que oferece o acesso a um conjunto de produtos e serviços com vantagens para os clientes) ou de cartão de crédito”.
Com a estratégia seguida, a Caixa está a “empurrar” os clientes para produtos de risco. Assume a instituição, ao PÚBLICO, que “oferece outros produtos de investimento e poupança, para além de contas a prazo e poupança, nomeadamente fundos de investimento e de pensões, seguros financeiros e PPR [Planos Poupança Reforma]”. Acrescentando que “as diferentes opções de investimento dirigem-se a diferentes perfis de clientes, no que se refere essencialmente ao horizonte temporal de investimento e à preferência por rentabilidade esperada ponderada pelo risco”, motivo por que a Caixa diz que disponibiliza aos seus clientes “um questionário de perfil de investidor, que lhes permite aferir a sua tipologia de investimento e assim adequar as suas escolhas”.