Bloco questiona Governo sobre decisão “inqualificável” da CGD de não pagar juros abaixo de um euro
Deputada Mariana Mortágua diz que medida é “uma comissão encapotada” e quer saber que receita vai gerar ao banco público.
O Bloco de Esquerda (BE) enviou esta terça-feira uma pergunta ao Governo sobre a decisão da Caixa Geral de Depósitos (CGD) de não pagar juros quando o valor ficar abaixo de um euro, e de cortar em 70% os juros de várias contas de depósito a prazo, decisões que afectam particularmente os pequenos aforradores e os reformados, como o PÚBLICO noticiou esta segunda-feira.
Em requerimento entregue na Assembleia da República, assinado pela deputada Mariana Mortágua, o BE destaca que “a opção pela retenção de juros até um euro não é mais do que uma comissão encapotada que penaliza as poupanças mais baixas”, e que a decisão “claramente contrária aos desígnios de um banco público”. Defende ainda que, “enquanto medida ‘pioneira’, é inclassificável e incompreensível a todos os níveis”.
O corte de juros, em 70%, afecta os depósitos de taxa fixa Caixapoupança Reformado, Caixapoupança Emigrante e Caixapoupança Superior. E ainda as contas Caixapoupança Mais Reformado, Poupança Caixa Empreender e Caixapoupança Condomínio, ainda activas. Nestes depósitos, os juros, pagos semestralmente, passam de 0,05% para 0,015%. Ou seja, já estavam perto de zero, mas a partir de 1 de Agosto aproximam-se ainda mais desse patamar, uma situação que não é exclusiva da Caixa, com alguns bancos a já não remunerarem os depósitos de prazos mais curtos.
Considerando que à CGD, como banco público, “lhe deve ser exigido que não acompanhe práticas abusivas de mercado e mais ainda que não as incite”, o Bloco pergunta ao Governo, “se, enquanto accionista, irá tomar alguma posição junto da CGD nesta matéria, considerando não só a divergência com objectivos do banco público mas também o sinal negativo que é dado à banca”.
Como o PÚBLICO noticiou, a decisão do banco público é uma estratégia da instituição de “empurrar” os clientes a integrar as chamadas “contas pacote”, com custos fixos, ou a redireccionar os montantes dos depósitos para fundos de investimentos, planos de poupança reforma ou seguros de capitalização, produtos com maior risco, maior dificuldade de mobilização, e que pagam comissões. A criação de “incentivos” para arrastar os clientes para as contas pacote também não é única da da CGD.
Neste sentido, o Bloco pergunta ao Ministério de Mário Centeno, se pode garantir que está a ser assegurada a máxima transparência na comunicação dos efeitos desta alteração contratual aos clientes da CGD”, e que estas alterações “não estão a ser usadas para a comunicação de uma estratégia de captação agressiva de clientes para ‘contas pacote’, que no limite poderão ter custos superiores à rentabilidade perdida, ou até, para produtos para aplicação dessas poupanças com maiores riscos e dificuldades na mobilização”.
O Governo é ainda desafiado a esclarecer qual é a estimativa de número de clientes afectados por cada uma destas alterações, e “qual a estimativa adicional de receita para a CGD, ou antes, qual a estimativa total de juros perdidos por estes clientes”.
A decisão da Caixa é contestada pela associação de defesa do consumidor, que acusa a a instituição liderada por Paulo Macedo de estar a ser “comercialmente muito agressiva”. De acordo com cálculos de António Ribeiro, economista da Deco Proteste, a redução da taxa de juro, associada ao não pagamento de valores inferiores a um euro, leva a que os depósitos de montante até cerca de sete mil euros (com a nova taxa de 0,015%) deixem de pagar qualquer remuneração. O não pagamento de juros até um euro também afecta outros depósitos, de pequeno montante, mesmo com taxas um pouco mais altas.
A CGD regressou aos lucros em 2017, mas foi em 2018 que a equipa liderada por Paulo Macedo conseguiu um resultado marcadamente positivo: 337,7 milhões de euros, apenas na instituição bancária. Em valores consolidados, o lucro sobe para 496 milhões de euros.
Para os resultados alcançados contribuíram positivamente várias componentes, incluindo a das comissões e serviços cujo resultado, só na actividade doméstica, aumentou em oito milhões de euros, passando de 375 para 383 milhões de euros.
O exercício de 2018 ficou marcado por vários aumentos de comissões e pela redução substancial do número de clientes que beneficiavam da isenção de alguns custos, nomeadamente as despesas de manutenção de conta de muitos reformados.
O maior beneficiário da rentabilidade da Caixa no último ano foi o Estado, que recebeu 200 milhões de euros em dividendos, tendo sido distribuído um prémio de desempenho a três quartos dos colaboradores. Ainda assim, a Caixa está obrigada a cumprir metas exigentes de rentabilidade, o indicador onde ainda se encontra a alguma distância face ao que foi definido por Bruxelas para 2020. No primeiro trimestre de 2019, conseguiu uma rentabilidade dos capitais próprios (ROE) de 6,6%, quando a meta do plano estratégico exigida pela Comissão Europeia está fixada em 9% em 2020.