O cada vez mais difícil quebra-cabeças das nomeações para os cargos de topo da UE
Líderes retomam os trabalhos após pausa na cimeira, mas uma solução está mais longe em vez de mais perto. “Neste momento não há plano nenhum, porque as soluções propostas não encontraram maioria”, admitiu António Costa.
Os 28 chefes de Estado e governo da União Europeia retomam, esta terça-feira em Bruxelas, os trabalhos da cimeira extraordinária para a distribuição dos cargos de topo das instituições comunitárias na próxima legislatura que foram interrompidos pelo presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, após 18 horas seguidas de negociações em que “tudo correu mal” e as fracturas e divisões que ameaçam paralisar a Europa foram por demais evidentes.
“A nossa credibilidade foi profundamente abalada com esta reunião demasiado longa e que não conduziu a lado nenhum. Demos uma péssima imagem do Conselho e da União Europeia, que não é séria”, criticou o Presidente de França, Emmanuel Macron, porventura o responsável mais duro na sua apreciação do fiasco.
Atendendo à crispação e animosidade entre os líderes europeus no momento em que Donald Tusk decretou a pausa na discussão — depois de uma miríade de reuniões bilaterais e multilaterais que antecederam e entrecortaram o jantar e posterior pequeno-almoço que compunham a cena do encontro —, as hipóteses que alguns colocavam em 50-50 de que um consenso para encerrar o processo fosse finalmente alcançado esta terça-feira soavam francamente irrealistas. Visivelmente esgotados, os líderes terão deixado a sede do Conselho convencidos de que um longo período de instabilidade e bloqueio está no seu horizonte.
Não era essa a perspectiva no arranque da reunião. As negociações entre as três maiores famílias políticas europeias, conservadores, socialistas e liberais, em curso desde as eleições de Maio, tinham produzido um princípio de acordo para a nomeação de um dos cabeças de lista (Spitzenkandidaten) para a presidência da Comissão, como exige o Parlamento, e para a selecção de representantes de todos os partidos para os restantes cargos dirigentes da UE.
Uma solução de compromisso fora acertada na véspera do Conselho Europeu no Japão, à margem da cimeira do G20 onde participaram a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, o Presidente francês, Emmanuel Macron, e dois dos negociadores dos socialistas e liberais, respectivamente Pedro Sánchez e Mark Rutte. Os presidentes do Conselho e da Comissão estavam ao corrente.
O chamado “acordo de Osaka” previa a transferência da presidência da Comissão Europeia das mãos do centro-direita para o centro-esquerda, através da indicação do socialista holandês, Frans Timmermans, para o cargo. Uma mudança possível uma vez que o dominante Partido Popular Europeu, apesar de manter a maior bancada parlamentar, deixou de ser capaz de formar maiorias com coligações simples — de tal maneira que uma aliança das forças progressistas dos liberais até à extrema-esquerda no Parlamento poderia, teoricamente, assegurar os 376 votos necessários para a eleição de Timmermans (e não Manfred Weber, o candidato democrata-cristão).
Consciente desta matemática, mas também da pressão do seu partido para preservar o modelo dos Spitzenkandidaten, Merkel aceitou esta troca, com algumas contrapartidas. O PPE mantinha a presidência do Conselho e partilhava a presidência do Parlamento com os liberais, que escolheriam o futuro Alto Representante para a Política Externa. O acordo foi fechado, e na chegada a Bruxelas, a chanceler alemã foi apresentá-lo à sua família política — e nesse momento, viu-se confrontada com a revolta aberta dos seus aliados, numa tentativa de reconfiguração do partido que era, ao mesmo tempo, um desafio à autoridade política de Merkel.
Os líderes do PPE da Irlanda, Croácia, Letónia e Roménia organizaram-se numa frente heterodoxa que incluía também os membros do grupo de Visegrado, Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia, bem como a Itália de Matteo Salvini, para se oporem à eleição de Timmermans — e também para fazerem colapsar o “acordo de Osaka” e bloquearem qualquer outra combinação que garantisse a governação das instituições comunitárias. Durante as discussões, foi testado o apoio a vários nomes para ultrapassar o impasse, mas até figuras do PPE, caso da búlgara Kristalina Georgieva, a antiga comissária europeia do Orçamento, ex-candidata a secretária-geral da ONU e actual presidente executiva do Banco Mundial que foi apontada para liderar o Conselho foram rejeitadas. “O seu nome está fora da corrida”, resignou-se o primeiro-ministro da Bulgária, Boiko Borisov, o único PPE que se juntou a Merkel na defesa da solução de compromisso.
“Tudo correu mal e obviamente é um resultado muito frustrante, esta incapacidade de o Conselho tomar decisões e de construir soluções que tenham um apoio maioritário quer no Conselho quer no Parlamento Europeu”, resumiu o primeiro-ministro António Costa, que não teve dúvidas em responsabilizar os líderes que, de forma destrutiva, se posicionaram para inviabilizar todas as soluções e acordos propostos e, dessa forma, “dividir a Europa”.
“Há membros do Conselho que insistem em ser contra os Spitzenkandidaten — uns porque estão contra o processo e outros porque estão contra as pessoas. Nem sempre é fácil discernir qual é a verdadeira motivação por detrás das posições, e assim é difícil encontrar o ponto de equilíbrio necessário”, considerou Costa que, ao contrário de alguns dos seus homólogos, não acreditava ser possível corrigir a situação no encontro desta terça-feira. “Neste momento não há plano nenhum porque todas as soluções propostas não têm encontrado qualquer maioria”, disse.
“É claro que este falhanço está relacionado com as divisões políticas no seio do PPE, em alguns casos motivadas por ambições pessoais que não deveriam estar sobre a mesa”, atacou Macron, lamentando que no decurso das conversas alguns líderes tenham dado o dito por não dito, “discordando do que foi previamente acordado”.
Entrincheirados na sua posição de bloqueio, os países do grupo de Visegrado e os membros do PPE na órbita de Viktor Orbán não deverão ceder esta terça-feira. Mas a sua intransigência pode ter custos. Para já, garante que o impasse instalado se prolongue (até quando, é difícil de prever). Os socialistas, que na segunda-feira ficaram a “um bocadinho assim” de instalar Frans Timmermans na presidência da Comissão, não têm agora nenhum incentivo para negociar com os conservadores, que também alienaram a boa vontade dos liberais. A situação é má para todos, e esta quarta-feira se verá como os partidos pretendem lidar com ela, quando tiverem de eleger o novo presidente do Parlamento Europeu, na sessão inaugural da legislatura em Estrasburgo.
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