Morreram no último domingo, 23 de Junho, Óscar Ramírez, de 26 anos, e a filha de um ano e 11 meses, Valeria, ao tentar atravessar o rio Bravo, que separa o México dos Estados Unidos. São, no entanto, apenas um caso noticiado de entre os milhares que, diariamente, tentam atravessar as fronteiras americanas rumo a uma vida melhor. Nos últimos anos, muitas têm sido as capas de jornais internacionais de renome ocupadas por casos que, pelo seu carácter dramático, noticiam casos de migrantes, particularmente crianças, que morrem na busca de um futuro melhor. Basta recordar a comovente fotografia de Alan Kurdi, em 2015, numa praia turca.
De facto, segundo dados do Migration Data Portal, os Estados Unidos são o país que apresenta maiores números quanto aos fluxos migratórios, seguindo-se a Alemanha e a Inglaterra, o que desde logo dificulta a resolução do problema. Importa, contudo, referir que, em parte, o fenómeno da crise contemporânea de refugiados pode também ser analisado enquanto fruto de um mundo global, uma vez que a globalização, não obstante apresentar como objectivo primordial a aproximação entre as nações, se traduz num acentuar de discrepâncias entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento. Tal facto permitiu às multinacionais uma mais fácil, e aparentemente legítima, exploração dos recursos e da mão-de-obra dos últimos a baixíssimos custos. Isto, desde logo, retira qualquer legitimidade aos países ocidentais para implementarem medidas anti-migratórias.
No caso concreto norte-americano, desde Abril de 2018 — mês em que foi anunciado, pela administração Trump, o programa Tolerância Zero — que, com alguns avanços e recuos, fruto da pressão internacional, a política anti-migratória se tem revelado cada vez mais desumana. Exemplo disso são as notícias que, em Junho de 2018, correram mundo ao denunciar as condições desumanas a que as crianças eram sujeitas nos centros de detenção. Essas condições parecem manter-se inalteráveis, segundo o actual relato de uma advogada americana que terá visitado o centro de Clint, enumerando as privações de higiene a que crianças e bebés são sujeitos, já para não falar da crueldade de serem retirados aos pais.
Ora, o caso de Óscar e da filha Valeria, agora na ribalta, é indubitavelmente chocante, mas assume-se “apenas” como o rosto de milhares, uma vez que, segundo números do portal já acima referido, morreram, no mundo, 4,7 mil migrantes em 2018, 6,3 mil em 2017 e 8,1 mil em 2016, o ano que registaram maiores fluxos migratórios, em parte justificados pela forte actividade dos grupos terroristas do Médio Oriente.
Assim, importa questionar a incapacidade ocidental de auxiliar estes migrantes que tantos decretam ilegais. Mais: importa questionar como é que se pode decretar que alguém é ilegal? E urge atribuir aos mais ricos, neste caso aos países ocidentais, a responsabilidade de auxiliar estas famílias na construção de um futuro melhor. Assim que desligamos o telemóvel ou fechamos um jornal, deixam de existir, na sua fugacidade, e passam a pertencer a uma outra narrativa longínqua e distante, a qual cremos não nos afectar.
No entanto, estas são mais do que a gravura de uma qualquer ficção em órbita no nosso espaço celeste. Pelo contrário, reflectem a realidade dos milhares de migrantes que, diariamente, se deparam com a crueldade das fronteiras, a iminente vertigem do abismo de milhares que, como nós, apenas anseiam pela possibilidade de um futuro.