Ministro critica moradores do prédio Coutinho: “Aqui os abusados somos mesmo nós, os poderes públicos”
No interior do edifício permanecem nove moradores que se recusam a entregar seis habitações. “Miserável”, critica advogado.
A sociedade VianaPolis, responsável pela expropriação do prédio Coutinho em nome do Estado e da Câmara de Viana do Castelo, começou esta sexta-feira a demolir algumas das estruturas interiores do imóvel, onde ainda habitam nove pessoas, mas o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, realçou que o principal lesado neste processo que já dura há 19 anos é o interesse público.
“Aqui os abusados somos mesmo nós, os poderes públicos. Estas pessoas intentaram um conjunto de acções em tribunal, previstas num Estado de Direito, e perderam-nas todas”, vincou, numa referência à última providência cautelar apresentada pelos moradores contra a expropriação do edifício de 13 andares, em Março de 2018, que acabou indeferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em Abril.
“As pessoas não podem estar ali, é um edifício público, que foi expropriado e que tem de começar a ser desconstruído”, disse Matos Fernandes, acrescentando que os moradores “estão a ocupar um espaço que não é deles” e a “incumprir” uma decisão judicial. “Correm o risco de estar a cometer um crime”, reforçou.
O ministro observou ainda que a VianaPolis concedeu 90 dias aos moradores para deixarem o prédio – o despejo foi agendado para a passada segunda-feira, às 9h.
Presente esta manhã em Barroselas, Viana do Castelo, na inauguração do sistema de abastecimento de águas em alta do Vale do Neiva, o governante acrescentou que os moradores estão a ocupar um edifício que não é deles quando têm à espera uma nova casa, também no centro da cidade ou uma indemnização – o valor total estimado pelo Tribunal de Contas é de 1,2 milhões e já está à ordem de todos os moradores.
Matos Fernandes referiu-se ainda ao Coutinho como um “abcesso urbano”, ainda para mais quando foram construídos dois prédios em “harmonia com o centro histórico” para os moradores serem realojados.
Para o lugar do prédio, está prevista a construção do novo mercado municipal de Viana do Castelo. Uma obra necessária, diz o ministro, já que o anterior, demolido em 2003, não tinha condições. A infra-estrutura foi deslocalizada para as imediações do estabelecimento prisional, mais afastado do coração da cidade. Os comerciantes, defende, também têm sido muito prejudicados por este processo. “Estamos a faltar à palavra com os comerciantes de Viana do Castelo há 19 anos”, disse.
Os moradores que permanecem nas suas habitações estão desprovidos de água, desde segunda-feira, de gás, desde terça-feira, e ainda de electricidade, desde as 17h de quinta-feira.
“A VianaPolis presta-se a um papel miserável”
Os trabalhos de desconstrução do prédio Coutinho começaram às 8h45. O som de martelos a bater nas paredes de fracções já desocupadas é audível nas imediações do edifício de 13 andares, voltado para o Rio Lima, em Viana do Castelo. Proprietária de 99 das 105 fracções do edifício de 13 andares, a sociedade VianaPolis prometera, ao final desta quinta-feira, que a desconstrução do prédio poderia começar a qualquer momento.
O advogado dos moradores, Magalhães Sant’Ana, disse aos jornalistas no local que as demolições estão a ser feitas nas fracções contíguas aos moradores que restam, com eventuais riscos para a integridade física dos moradores.
“A VianaPolis presta-se a um papel miserável”, criticou.
Magalhães Sant’Ana queixa-se de não conseguir entrar no edifício para contactar os seus clientes (a falta de electricidade no prédio dificulta alternativas como a comunicação por telemóveis), o que considera ser uma violação da Constituição. O advogado informou que vai contactar a Ordem dos Advogados e a PSP de Viana do Castelo.
Barricado dentro da sua casa, para manter a sua propriedade, Agostinho Correia disse ao PÚBLICO não “estar impressionado” com os trabalhos de desconstrução ordenados pela VianaPolis e questionou qual a licença que a sociedade tem para iniciar os trabalhos. O projecto de demolição foi entregue à empresa bracarense DST em Outubro de 2017, por 1,2 milhões de euros, mas está ainda à espera do visto do Tribunal de Contas.
Segundo fonte da VianaPolis, uma ambulância do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) foi accionada para prestar auxílio a um dos moradores do 5.º andar que não se sentiu bem.
Uma batalha com 20 anos
O Edifício Jardim, conhecido como prédio Coutinho, tem a sua desconstrução prevista desde 2000, ao abrigo do programa de requalificação da VianaPolis. À altura, decidiu-se que a estrutura não era estética e não se enquadrava na paisagem urbana. Mais tarde, foi emitida uma Declaração de Utilidade Pública, com carácter de urgência, por se entender que ali deveria ser construído o mercado municipal.
O prédio tinha sido construído no sítio onde foi demolido o anterior mercado, tendo o terreno sido vendido em hasta pública. Entendeu-se mais tarde que o mercado deveria voltar para aquele local. O prédio que foi construído legalmente terá que ser agora demolido. A batalha jurídica iniciada pelos habitantes do prédio travou o plano de despejo durante o Governo de António Guterres, quando José Sócrates era ministro do Ambiente, e dura há 20 anos.
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