Fatboy Slim quer deixar Lisboa a sorrir
Norman Cook, mais conhecido como Fatboy Slim, tem Lisboa a sua primeira aventura no mundo da curadoria de arte com a exposição Smile High Club. Inaugurada nesta sexta-feira pode ser vista até 27 de Julho na Underdogs, em Lisboa.
“Sinto-me como uma criança numa loja de doces”, gracejou Norman Cook na conversa que teve com o PÚBLICO na quinta-feira, véspera da inauguração da exposição de que é curador, Smile High Club, na galeria de arte Underdogs, em Marvila, Lisboa.
Norman Cook, mais conhecido pelo seu nome de DJ Fatboy Slim chegou a Portugal na quarta-feira, mas mal teve tempo para descansar. O autor de icónicas músicas da electrónica — Praise You, The Rockafeller Skank ou Right Here, Right Now — ingressou recentemente numa nova aventura: a de curador de arte.
“Adoro sentir que estou a começar do zero, estar a fazer algo que nunca tinha feito antes e que envolve um dos maiores amores da minha vida, o smiley.” Smile High Club é o título que escolheu para a exposição centrada neste ícone que simboliza a paz e o amor e que reúne o trabalho de 12 artistas e colectivos: Andrea Harz, Bob Jaroc, Carrie Reichardt, Chemical X, Estúdio Pedrita, James Joyce, Jimmy Cauty, Joseph Ford, Mark Vessey, Ron English, RYCA e The London Police.
“Eu comecei a coleccionar smileys no boom do acid house no final dos anos 80, quando todos usavam t-shirts, bandanas e patches com aquela figura. Quando deixou de estar na moda, e as pessoas começaram a deitar tudo fora, eu fui coleccionando.” Norman Cook não lhe chama uma obsessão. Mas a afirmação pode ser contrariada até nesta exposição, que inclui a fotografia do mural gigante com um smiley que tem no telhado da sua casa e é o “logótipo não oficial do seu alter ego musical”. Cook tem uma única tatuagem no corpo e não é difícil adivinhar qual seja.
Quem também teve algo a dizer sobre a relação entre Norman e o smiley foi o próprio criador do ícone, o artista norte-americano Harvey Ball (1921-2001). “Ele sabia que eu usava o smiley nas capas dos meus álbuns e na minha arte e perguntou-me se eu queria ser o ‘embaixador’ internacional de um mundo de sorrisos. Ter o criador a fazer-me este tipo de pedido, sendo que o seu objectivo nunca foi fazer dinheiro, deixou-me verdadeiramente excitado.”
O amor que nos une
A proposta para criar esta exposição, que pode ser vista até 27 de Julho na Underdogs, em Lisboa, veio de Alexandre Farto, nome real do artista plástico Vhils. Norman e Vhils conheceram-se por intermédio do artista plástico Bordalo II, alter-ego de Artur Bordalo, depois de este ter construído uma gaivota gigante no Big Beach Cafe, em Brighton, propriedade de Norman.
Vhils e Cook tornaram-se amigos e acabaram por colaborar no Iminente, festival criado em 2016 com a curadoria de Vhils. O festival, que combina novos géneros de música e de expressões artísticas, já passou por Oeiras, Lisboa, Londres, Xangai e este ano aconteceu no mês de Junho, no Rio de Janeiro. O músico e o artista plástico actuaram juntos por duas vezes, em 2018. “Quando o Vhils disse que queria trabalhar comigo, eu achei a ideia muito interessante. Mas fiquei céptico: sou daltónico, não consigo criar este tipo de arte, foi por isso que vim parar à música”, graceja agora enquanto decorre a montagem da exposição Smile High Club. "Por isso, temos pensado em maneiras originais de colaboração.”
“Não estamos propriamente a ‘picar’ paredes juntos”, diz entre risos, referindo-se à técnica de escultura em baixo-relevo de Vhils que tem sido aclamada pela crítica. “No Iminente, ele fez esculturas enquanto eu passava música; e nos meus espectáculos, utilizo os seus visuais e filmes... tem sido assim que ultrapassamos as nossas diferenças.”
Uma “piada sexual barata”
O nome da exposição, Smile High Club, é um trocadilho, nas palavras do britânico: uma “piada sexual barata”, com a expressão mile high club, que se refere a pessoas que têm relações sexuais durante um voo de avião. É, também, uma referência ao “clube nocturno fictício” criado pelo músico quando foi convidado, em 2016, para actuar no festival de música electrónica Creamfields em Daresbury, Inglaterra, pelo segundo ano consecutivo. Na altura escreveu no site da Red Bull que não estava interessado em voltar ao mesmo palco e tocar outra vez o mesmo set, por isso ia experimentar algo diferente. Ao PÚBLICO explicou que nesse clube nocturno fictício se “entrava dentro de uma cabine de vidro onde as pessoas eram pintadas de amarelo com tinta industrial e lhes era desenhado um sorriso gigante na cara de forma a transformar toda a gente em smileys gigantes.”
Perguntámos-lhe se a intenção de juntar tantos sorrisos numa galeria tem um sentido alegórico e Norman ressalva que a exposição que agora traz a Lisboa não tem qualquer tipo de “agenda” — em tom jocoso, Cook avisa que não está a tentar liderar o “ressurgimento do smiley”. “Isto é apenas uma celebração alegre e uma forma de homenagear o legado do Harvey Ball assim como a minha paixão pelo ícone.”
Apesar de não saber se a geração millennial se irá ou não identificar com o smiley, por o considerar ultrapassado e fora de moda, Norman confia na capacidade de reinvenção da figura. “O smiley não está fora de moda, está em constante renovação. Sempre que se pensa que corre o risco de se tornar obsoleto, alguém encontra maneiras originais de o utilizar, seja de forma icónica ou irónica.”
Abrir paredes
A exposição Smile High Club coincide temporalmente com Banksy: Génio ou Vândalo?, desde 14 de Junho na Cordoaria Nacional. Perguntamos a Norman qual a sua opinião sobre a influência do controverso artista de rua, cuja peça mais famosa, Girl With Balloon (2006), foi, no ano passado, vendida em leilão por 1,2 milhões de euros e após ter sido adquirida, autodestruiu-se. A resposta não tarda: Banksy é um pioneiro na arte. “O Banksy levou a arte urbana a uma consciência global”, explica Fatboy Slim. “Ele tem sido uma revolução, não no sentido dos seus ideais políticos ou em termos artísticos, mas pela forma como ‘abanou’ o mundo da arte e como ofereceu ao público uma perspectiva diferente da arte urbana. Acho que no fundo, esse foi sempre o seu principal objectivo.”
Norman acredita que a fama e o sucesso de Banksy é algo que o deixa “frustrado e chateado” (garante que esta afirmação é verdadeira uma vez que que já teve a oportunidade de o conhecer pessoalmente). Mas não tem dúvidas que foi Banksy quem abriu inúmeras “paredes”, não só a artistas, mas também ao olhar do público para a street art.
“Se há coisa que o capitalismo não consegue destruir é a arte urbana. Pelo menos não como aconteceu no movimento EDM (electronic dance music), que foi completamente arruinado pela comercialização da música. Como a arte urbana está constantemente a reinventar-se nas ruas, acaba por existir fora da lógica de um mercado capitalista. E mesmo que um artista coloque os seus trabalhos numa galeria, e até os venda, isso é bom porque lhe permite financiar o futuro, para que deixe de passar fome ou de tentar arranjar um emprego ‘mais convencional’. Permite-lhe ser profissional.”
Quanto ao seu futuro como curador de arte, Norman confessa que ainda é uma incógnita: “Perguntem-me novamente daqui a um mês”. Mas admite que não está a considerar abandonar a música para se dedicar exclusivamente à curadoria.
“A alegria que retiro disto é muito grande. Mas não sou aspirante a artista. Sou daltónico, não consigo desenhar, não sou capaz de criar uma peça. Ainda estou a descobrir como funciona [curadoria], mas a carreira musical vem em primeiro lugar.”
“O ideal seria conseguir conciliar tudo isto em palco. O meu objectivo é envolver-me mais na arte urbana, em vez de vir aqui e fazer um set de meia hora, onde não estou à espera que ninguém dance. Seria conseguir fazer algo como o Vhils conseguiu com o Iminente ou como o Banksy com o Cans Festival, em Londres [exposição organizada em 2008 onde Banksy convidou artistas de rua de todo o mundo para pintarem um túnel em Leake Street]. Um pacote mais abrangente em que concilie música, arte urbana e os meus espectáculos ao vivo.”
Texto editado por Paula Barreiros