Berardo prepara-se para abrir museu do azulejo em Estremoz
O empresário tem também outro projecto para aquela cidade alentejana, um museu de arte africana, pendente de uma candidatura a apoios comunitários. Presidente da câmara garante que os direitos e os deveres das duas partes foram “claramente definidos” e que os interesses da autarquia estão salvaguardados.
Apesar das atribulações por que tem passado, Joe Berardo, a braços com uma dívida de 980 milhões de euros, não se vislumbra qualquer contratempo que impeça o cumprimento dos protocolos que o empresário celebrou com a Câmara de Estremoz, a 14 de Julho de 2016 e a 17 de Abril deste ano, respectivamente, para a instalação, na cidade alentejana, de dois novos museus: um para a sua colecção de azulejaria, outro para a sua colecção de arte africana. A Associação Colecções (AC), com sede no Funchal, prevê abrir já em Outubro, no Palácio dos Henriques, também conhecido por Palácio Tocha, um museu do azulejo, que terá como designação oficial Museu Berardo Estremoz.
Em declarações ao PÚBLICO, o presidente da Câmara de Estremoz, o independente Francisco Ramos, admitiu que os riscos resultantes da instalação dos dois museus “não são evitáveis”, mas garante que os direitos e as obrigações das partes estão “claramente definidos” e “salvaguardam os interesses da autarquia”.
José Sadio, vereador do PS, confirma que as obras do novo museu “estão quase prontas”. No entanto, “é sempre de admitir que possam surgir complicações”, observa o autarca socialista, lamentando que a oposição tenha sido “sistematicamente arredada” deste processo, iniciado ainda com o anterior presidente da Câmara — o também independente Luís Mourinho, que em Fevereiro deste ano perdeu o mandato após condenação em tribunal por crime de prevaricação e abuso de poder.
O novo museu irá ocupar um edifício pré-pombalino, construído provavelmente no início do século XVIII, que se tinha transformado num “dormitório de pombos” e se encontrava muito degradado. Os trabalhos de adaptação, que estão a decorrer, implicaram um investimento superior a 2,6 milhões de euros, comparticipado em 85% por fundos comunitários. O montante foi aplicado na recuperação integral do edifício, declarado de interesse público, circunstância que obrigou ao acompanhamento da Direcção Regional de Cultura do Alentejo (DRCAlentejo). “Por se tratar de um edifício classificado, [a DRCAlentejo] exigiu alterações ao projecto de arquitectura proposto. Satisfeitas as condições impostas, a obra pôde avançar”, explicou ao PÚBLICO a directora regional, Ana Paula Amendoeira.
As alterações propostas pelo projecto de arquitectura “respeitaram e salvaguardaram os elementos arquitectónicos” construtivos e decorativos considerados de valor cultural e histórico-patrimonial, nomeadamente a azulejaria e as pinturas murais de tectos e corredores. A área de construção totaliza 2850 metros quadrados.
O novo Museu Berardo Estremoz vai expor cerca de 1500 painéis provenientes da colecção de azulejos de Joe Berardo, que inclui exemplares do século XV até à actualidade. Está previsto que acolha também obras das outras colecções do empresário, que possui acervos de arte déco e arte nova, mas também de arte africana ou de cerâmica das Caldas da Rainha.
A mais famosa (e valiosa) das suas colecções, reunindo mais de 800 obras de arte moderna e contemporânea, está instalada no Centro Cultural de Belém desde 2007, ao abrigo de um contrato de comodato entretanto renovado até 2022. Em Agosto de 2018, o empresário solicitou à Direcção-Geral do Património Cultural autorização para expedir para o Reino Unido, para eventual venda, 16 obras dessa colecção, pedido que lhe foi recusado.
Em 2016, Joe Berardo chegou a anunciar a abertura de dois novos museus em Lisboa, um em Alcântara para a sua colecção de arte déco e outro no Bairro Alto para a sua colecção de arte africana. Em Janeiro deste ano, o empresário revelou que, após atrasos nas obras de adaptação do edifício, o primeiro desses dois museus abriria as suas portas em Julho.
“Uma posição altruísta”
A validade do protocolo que enquadra a instalação do Museu Berardo Estremoz é de cinco anos, a contar a partir da data de abertura. É renovável automaticamente por iguais períodos, caso não seja denunciado por qualquer das partes.
A Câmara de Estremoz está obrigada a pagar, entre outros encargos, todos os custos de manutenção, a contratar e a custear os vencimentos do pessoal, e a contratar e manter em seu nome e no da Colecção Berardo um seguro de responsabilidade civil que cubra todos os riscos de perecimento, furto e roubo das obras de arte ali expostas.
A AC compromete-se, por seu turno, a disponibilizar gratuitamente o palácio para o funcionamento do museu e as obras integrantes das várias colecções que compõem a Colecção Berardo. Responsabiliza-se ainda por ceder todas as informações relativas às obras de arte e por contratar e manter em seu nome e no da Colecção Berardo um seguro de responsabilidade civil que cubra todos os riscos de perecimento, furto e roubo das obras de arte armazenadas no palácio.
Pertencerão à AC todas as receitas provenientes das rendas dos estabelecimentos de apoio ao museu, bem como as resultantes de eventuais concessões. Pertencerão à Câmara de Estremoz todas as receitas de visitas, cujo preço será por ela fixado.
O protocolo assinado contempla ainda a instalação de um espaço para a venda e promoção dos vinhos produzidos por Joe Berardo na Quinta do Carmo, em Estremoz, de que é proprietário. “A ideia é que o público que vem ver a exposição aceda a comprar os vinhos que o empresário coloca à venda”, explica o autarca.
Francisco Ramos adianta que o protocolo assinado para o futuro museu de arte africana é “similar” ao que foi acordado para o Museu do Azulejo. Ficará instalado nas antigas fábricas da Companhia de Moagem e Electricidade de Estremoz e Veiros, que se encontram em processo de classificação como edifícios de interesse municipal. No entanto, salienta o autarca, a candidatura deste projecto a fundos comunitários ainda não foi aprovada.
As garantias de sustentabilidade dos dois museus persistem uma incógnita. “Esperamos que a receita resultante da venda de bilhetes seja superior às despesas, mas também pode acontecer o contrário”, admite Francisco Ramos, acrescentando que a vinda de “muitos visitantes” acabará por ter um impacto positivo na restauração local e na aquisição de artesanato. Em paralelo, o município “beneficiará através da derrama, do IMI e do IMT”. A decisão de disponibilizar à cidade de Estremoz estes dois museus, sublinha, é “uma posição altruísta” de Joe Berardo, de resto “uma constante” nos contactos que o autarca tem mantido com o comendador, o seu filho e o seu genro, que se “têm revelado pessoas impecáveis”.