Nova manifestação maciça em Hong Kong leva chefe do governo local a pedir desculpas
Um dia depois da suspensão do debate sobre a lei da extradição, dois milhões de pessoas voltaram às ruas. Apenas a retirada da lei é aceitável, dizem.
Os opositores à lei da extradição em Hong Kong mantiveram o desafio às autoridades locais, e a Pequim, e voltaram às ruas este domingo, um dia depois de o governo ter anunciado a suspensão do processo de aprovação do diploma. Segundo os organizadores, dois milhões de pessoas participaram naquela que terá sido a maior manifestação na história recente da cidade.
Pela terceira vez numa semana, um mar de gente voltou a inundar as avenidas do território em protesto contra a lei da extradição, que pode permitir o envio de suspeitos de crimes para a China continental. É este o principal receio dos manifestantes, que encaram a medida como mais um passo que põe em causa a autonomia e o estilo de vida democrático de Hong Kong.
Foram precisas quase sete horas até que os últimos grupos saíssem do Parque Vitória, o local onde começou a manifestação de domingo, com direcção rumo ao bairro de Admiralty, onde está sediado o governo local, descreveu o South China Morning Post. Cerca de dois milhões de pessoas, quase todas vestidas de negro, marcharam durante toda a tarde, ocupando algumas das principais artérias de Hong Kong, muitas das quais, ao início da noite, punham de pé barricadas improvisadas, num sinal de que pretendem permanecer acampadas na rua. A polícia calculou a participação em 338 mil, embora tenha admitido que o número possa ser superior.
O debate sobre a lei da extradição tornou-se numa questão existencial, especialmente para os mais jovens, que recusam qualquer aproximação ao modelo político chinês. “Estamos a lutar pela nossa liberdade”, afirmou Betty, uma estudante de 18 anos, que falou ao Guardian. “Suspender a lei, mas não cancelá-la é o mesmo que manter uma espada sobre a cabeça de alguém e dizer ‘não te vou matar agora’”, disse a jovem. As imagens dos protestos são reminiscentes da “Revolução dos Guarda-Chuvas” de 2014, mas a oposição à lei da extradição é já seguramente um dos maiores desafios ao governo local desde que Hong Kong passou para a soberania chinesa, em 1997.
A manifestação de domingo – marcada também por homenagens a um manifestante que tinha morrido depois de uma queda no dia anterior – ocorreu um dia depois de a chefe-executiva de Hong Kong, Carrie Lam, ter anunciado a suspensão do debate parlamentar sobre a lei da extradição, na esperança de esvaziar os protestos. A decisão não surtiu efeitos e a participação na manifestação voltou a atingir recordes históricos.
Desculpas
Ao fim do dia, um porta-voz do governo local leu uma declaração de Lam em que esta pedia desculpas e admitia que a sua gestão da crise gerou “controvérsias e disputas substanciais na sociedade, que causaram desapontamento e dor”. No acto de contrição pública, a chefe executiva prometeu “adoptar a mais sincera e humilde atitude para aceitar críticas e fazer melhorias no serviço ao público”.
Não foi dado qualquer esclarecimento em relação à continuidade da discussão da lei da extradição. Na véspera, Lam tinha anunciado a suspensão do debate, que pode ser retomado, sem, porém, definir um prazo. O volta-face da líder de Hong Kong ocorreu depois de um encontro com um alto dirigente da hierarquia do Governo chinês.
Em paralelo à rejeição da lei, os manifestantes concentraram as suas palavras de ordem contra Lam, redobrando as exigências de demissão que já se tinham ouvido durante a semana. Para o governo local e para as autoridades centrais em Pequim levantam-se agora questões de difícil resolução. A China não quer que a crise em Hong Kong se arraste e complique as negociações comerciais com os EUA – o presidente Donald Trump disse este domingo que pretende levantar a questão junto do homólogo Xi Jinping, no final do mês, durante a cimeira do G20 –, mas não quer arriscar-se a surgir num momento de fraqueza perante um tema que é particularmente caro aos líderes chineses, como a segurança nacional.