Estarei condenado a engordar se deixar de fumar?
O medo de ganhar peso é a principal razão pela qual os fumadores adiam a cessação tabágica ou têm uma recaída após terem deixado de fumar, sendo este padrão mais observado nas mulheres fumadoras.
Não está obrigatoriamente condenado, mas a probabilidade de aumentar de peso é grande. A boa notícia é que, mesmo que aumente de peso, os benefícios da cessação tabágica superam os efeitos negativos desses potenciais quilos a mais, pois o risco de mortalidade é maior em fumadores com o peso normal do que em ex-fumadores com excesso de peso ou obesidade. É muito importante referir este ponto, pois o medo do ganho de peso é a principal razão pela qual os fumadores adiam a cessação tabágica ou têm uma recaída após terem deixado de fumar, sendo este padrão mais observado nas mulheres fumadoras.
Qual pode ser então a dimensão deste “estrago” no peso? Em média, após um ano de cessação tabágica, o peso pode aumentar 4 a 5kg, sendo este aumento mais pronunciado nos três primeiros meses. Claro que, como em todos os processos de aumento ou perda de peso, cada caso é um caso e, mesmo nos casos de cessação tabágica analisados na meta-análise acima citada, 13% das pessoas até perderam peso, sendo que outros 13% também ganharam mais de 10kg (sendo este o grupo que merece mais preocupação por parte dos profissionais de saúde). Estes números são facilmente explicados quer pelo carácter supressor do apetite que a nicotina possui (e que é amplificado pela cafeína) quer pelo aumento do metabolismo que também está associado ao seu consumo. Além disso, a ausência da nicotina reforça a recompensa sensorial da comida, sendo que os snacks ricos em gordura e açúcar partilham com a nicotina a libertação de neurotransmissores associados ao prazer e recompensa, algo que ganha mais importância pelas mudanças positivas no olfacto e paladar que a cessação tabágica proporciona.
Para quem fuma, importa talvez começar por melhorar a alimentação ainda antes de tentar deixar de fumar. Os fumadores por norma já comem pior, com menor ingestão de várias vitaminas e minerais, com a agravante de o próprio tabaco já comprometer por si mesmo o nosso estado nutricional. Os nutrientes mais “antioxidantes”, tais como vitamina E, C, betacaroteno, selénio e, indirectamente, o zinco, são mobilizados em maior quantidade nos fumadores, não sendo de estranhar que o seu status no organismo de quem fuma seja menor. Até por isso a recomendação de vitamina C nos fumadores pode ser mais do que três vezes superior (200mg/dia) à dos não-fumadores. Uma vez que ninguém consegue ter uma alimentação perfeita todos os dias, nas situações em que não seja possível ter uma boa ingestão de fruta e legumes (principalmente laranja, quivi, pimento, cenoura, meloa, frutos vermelhos, tomate, brócolos, espinafre) pode ser útil recorrer a um suplemento que não ultrapasse mais do que os 100% da dose diária recomendada destes nutrientes.
Dado este primeiro passo de “planeamento nutricional” para a cessação tabágica, é preciso ter alguma calma para não querer tentar mudar tudo de uma vez. Neste processo pode não ser muito inteligente tentar em simultâneo deixar de fumar e emagrecer ou controlar de forma excessiva o peso. Uma restrição calórica excessiva pode reforçar o papel da nicotina como substância aditiva, sendo mais ponderado fazer apenas algumas mudanças na rotina de modo a tentar limitar os danos que podem acontecer ao peso.
Que rotinas alimentares se podem modificar para tornar este processo mais suportável?
Snacks pouco calóricos e mastigáveis para manter as mãos e boca ocupadas, como pastilhas elásticas, gomas, rebuçados ou gelatinas (todos eles possuem hoje versões sem açúcar), tremoços, mirtilos ou outras frutas transportáveis e fáceis de comer sem ter de descascar como maçã, pêra, pêssegos, morangos, (para não falar de cenouras baby ou tomates-cereja, que, em boa verdade, não são a visão óptima e realista de lanche para quem tem uma alimentação de base desequilibrada). Porções individuais de queijo e iogurtes magros bem como os recentes iogurtes hiperproteicos (idealmente os sólidos, de modo a serem mais saciantes) são também boas alternativas. Os frutos gordos, como nozes, amêndoas, avelãs e afins, sendo até excelentes fontes de vitamina E, não são muito aconselháveis pelo elevado teor calórico que possuem. Estabelecer a rotina de ter a garrafa de água sempre presente para que possa beber água sempre que precisa de colocar algo na boca, bem como evitar numa primeira fase o café, bebidas alcoólicas, saídas nocturnas e demais situações em que o hábito do cigarro estivesse instituído, são um conjunto de acções fundamentais para aumentar o sucesso da decisão de parar de fumar. Tentar ter sempre calorias “mastigáveis” nas grandes refeições é igualmente importante. Se beber água ou um refrigerante light em vez de um refrigerante normal ou um copo de vinho, isso já lhe permite comer, por exemplo, mais 100g de arroz/massa/batata no prato ou mais 50g de pão nas entradas. Se evitar o pacotinho de manteiga na entrada ou não molhar o pão no azeite, esse crédito calórico já dá para comer mais “comida a sério” no prato. Em todas as situações pode “entupir-se” de sopa, mesmo que seja fora de casa e leve batata. O potencial saciante que dela advém é fundamental para que possa controlar o peso sem tanta fome. Não é preciso relevar o papel que o exercício físico pode ter, mas à semelhança do que foi falado na alimentação, se é sedentário, querer mudar tudo de uma vez pode não ser indicado. (Mais estratégias podem ser consultadas nas excelentes Linhas de Orientação sobre Cessação Tabágica e Ganho Ponderal da Direcção-Geral da Saúde)
Deixar de fumar é uma decisão demasiado importante na saúde de alguém para ser adiada com medo do aumento de peso. Controlar as expectativas e aceitar que o peso pode aumentar, controlando ao máximo esse aumento (pesar-se com regularidade pode ajudar), e pensando que esse peso pode ser recuperado mais à frente, é um começo. Procurar uma consulta multidisciplinar de cessação tabágica para ser acompanhado a vários níveis é o passo seguinte.