Fábio vai fazer mais de 4000 quilómetros a pé pela América

Em 2014, partiu à descoberta do mundo durante 20 meses e eternizou a aventura num livro. Agora é hora de percorrer o Pacific Crest Trail, no Oeste americano. Parte a 3 de Julho, sozinho. Será uma “superação pessoal física e psicológica”.

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Fábio no Vietname, em 2017 Fábio Inácio
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Fábio na Noruega, em 2018 Fábio Inácio
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Fábio na Noruega, em 2018 Fábio Inácio
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Indonésia, 2014 Fábio Inácio
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Indonésia, 2014 Fábio Inácio

“Já era um amor muito antigo sem eu saber.” É assim que Fábio Inácio descreve o Pacific Crest Trail, caminhada de 4260 quilómetros que vai iniciar a 3 de Julho e que vai durar cerca de cinco meses. O percurso, classificado como pedestre ou equestre, liga a fronteira do México à fronteira do Canadá, passando pelos estados norte-americanos da Califórnia, Oregon e Washington. E faz-se normalmente neste sentido — de sul para norte —, mas Fábio vai fazê-lo ao contrário. “Como vou começar em Washington, só tenho quatro ou cinco meses para chegar à Califórnia por causa da neve nas serras e das tempestades”, explica o fotógrafo, natural de Maceira, Torres Vedras.

Antes das viagens, a fotografia foi a primeira paixão. “Fotografo sempre a preto e branco, num género mais documental, fotojornalístico ou artístico”, salienta. Depois da fotografia, aventurou-se, pela primeira vez, há nove anos. “Comecei a fotografar bodyboard, desporto que fazia com amigos. Em 2010, eles convidaram-me para ir à Indonésia fotografá-los. Por azar, as ondas não estavam assim tão boas e, em vez de estarmos sempre na praia a surfar e fotografar, passámos muito tempo a explorar a ilha. Fiquei fascinado. Disse a mim próprio que queria fazer disso vida: viajar e fotografar”, conta.

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Fábio na Noruega, em 2018 Fábio Inácio

Depois da primeira fica a vontade de marcar a próxima. Em 2012 andou pela Europa, em Interrail, a tentar perceber o que era “viajar sozinho”. No ano seguinte, trabalhou e poupou para, em 2014, se aventurar. Aí, começou uma viagem de 20 meses pelo mundo. Turquia, Irão, Indonésia, Malásia, Austrália, China, Mongólia, Rússia, Vietname, Laos, Birmânia, Tailândia, Polónia, Estónia, Inglaterra e Marrocos. Sem parar. “Viajava sempre o mais barato possível. Ficava em couchsurfings ou em alojamentos muito baratos, a dois ou três euros por noite”, recorda.

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Indonésia, 2014 Fábio Inácio

Foi a primeira experiência a solo e, apesar de “ter a sorte” de trabalhar a fazer o que gosta, o objectivo é não só “vender para sobreviver”, mas também “inspirar as pessoas”. Por isso, escreveu o livro Walking Around, foto-reportagem e história da grande viagem, nome que também já dava cara ao site onde publica algumas fotografias e dicas de viagem. Anular a ideia de que “viajar é só para os outros” e de que “os países são perigosos” foi também um dos pontos que Fábio quis atingir com o livro, que editou em 2016.

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O livro "Walking Around" foi publicado em 2016

Quando estava a planear a viagem, “o objectivo, depois da Austrália, era voar para a América do Sul e depois fazer o Pacific Crest Trail”. Mas as voltas saíram-lhe trocadas. “Como envolve muitos gastos, por causa de todo o material, e eu não tinha dinheiro, acabei por não fazer esse caminho e continuei por outro lado”, conta o viajante de 33 anos. Mais tarde, de volta a Portugal, tentou arrecadar algum patrocínio, sem sucesso. No entanto, 2018 foi um ano sorridente e em Dezembro decidiu que faria a caminhada — e escreveria outro livro sobre ela.

“São entre 1000 e 2000 as pessoas que tentam fazer o Pacific Crest Trail por ano. Muitas desistem por lesões, outras por falta de dinheiro a meio, outras porque estão cansadas, outras porque não é aquilo que queriam e, por isso, há sempre um número mais pequeno que acaba”, admite. Fábio encara-o como um “desafio pessoal de sobrevivência” e como uma superação pessoal, “não só física, mas também psicológica”.

Viver no meio da natureza, “com o mínimo possível”, e levar às costas o necessário para sobreviver: comida, água, primeiros socorros e, no caso de Fábio, uma câmara e material fotográfico. Entre montanhas, florestas e desertos, a uma média de 30 quilómetros por dia, o jovem fotógrafo espera fazer o percurso em cinco meses. Apesar de ir sozinho, também quer ter histórias para contar. “Durante os primeiros dias, de certeza que vou andar com outras pessoas, mas depois o pessoal vai-se espalhando”, observa. No entanto, é algo que não o preocupa: “Estar sozinho na natureza é incrível.”

Himalaias Fábio Inácio
Birmânia Fábio Inácio
Mongólia Fábio Inácio
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Himalaias Fábio Inácio

O medo de se perder durante a caminhada também não o inquieta. “A minha mãe tem, eu não”, brinca. “Hoje em dia, o medo é o que proíbe muitas pessoas de fazerem as melhores coisas da vida”, lamenta Fábio. O percurso, já concluído por 6657 pessoas de todo o mundo, está bem identificado, “mas muito melhor para quem o faz de sul para norte”, admite. O pior é “quando neva muito” e desaparecem as pegadas. “Aí é quando é mais fácil as pessoas se perderem”, explica.

“Posso não conseguir, mas vou conseguir.” É assim que Fábio Inácio pensa antes de se aventurar no que quer que seja. O próximo passo na lista é “acalmar”. “Para já, quero fazer o Pacific Crest Trail”. Depois, e a contar chegar a Portugal a meio de Novembro, quer começar a trabalhar no segundo livro, baseado na experiência que ainda vai viver.

O testemunho de quem chegou à meta

Bia Carvalho e Edinho Ramon foram o primeiro casal brasileiro a percorrer o Pacific Crest Trail de uma ponta à outra, em 2018. Durante 166 dias, entre Primavera, Verão e início de Outono, aventuraram-se por mais de 4000 quilómetros “em contacto com a natureza”, para “redefinir os propósitos de vida” e estruturar a vida enquanto casal.

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Edinho e Bia, durante o percurso, em 2018 DR

Edinho descreve a experiência como “maravilhosa”. “Decidimos fazer isso não como um ano sabático, mas como um projecto, que visava produzir um livro, um filme e uma exposição fotográfica”, explica o fotógrafo de 34 anos. Quando não andavam, trabalhavam: “a escrever um diário, que virou livro, a fazer entrevistas com as pessoas e a tirar fotografias”. Caminho a Dois dá nome ao livro documental, lançado pelo casal no mês passado.

Hoje em dia, mantêm contacto com grande parte das pessoas que conheceram. “Foi muito gratificante porque conhecemos muitas culturas diferentes”, conta. “Inicialmente pensávamos que íamos estar imersos na natureza, sem muito contacto com outras pessoas. Na verdade, em diversas ocasiões encontrávamos pessoas e as conversas eram profundas, diferentes do quotidiano da cidade”, recorda.

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DR

Bia e Edinho nunca pensaram em desistir. “Nós fizemos o Pacific Crest Trail mais pelo propósito do que pelo percurso em si. Durante a trilha, à medida que nos deparávamos com dificuldades ou desafios, lembrávamo-nos sempre da razão de estarmos ali.” Também nunca se perderam: “Acho que a trilha está muito bem sinalizada e acredito que, na verdade, é difícil a pessoa se perder. O percurso é muito intuitivo”, admite Edinho.

Dias mais fáceis e outros mais difíceis, em momentos diferentes para cada um. Bia sentiu mais dificuldade no estado de Washington, “por causa da humidade e de problemas no pé”. Já Edinho não se deu tão bem com o norte da Califórnia, onde o “psicológico” levou a melhor. Mas venceram — e cruzaram a meta.

Texto editado por Sandra Silva Costa

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