Presidente assumiu-se líder natural da direita
Ao ocupar este espaço, Marcelo pode condicionar, no imediato, a renovação da direita
Falando em inglês, na Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, na sexta-feira da semana passada, Marcelo Rebelo de Sousa assumiu-se como o líder da direita em Portugal e, de forma implícita, associou esse estatuto à obrigação de se recandidatar a Presidente da República em Janeiro de 2021.
A assunção desta missão surge após Marcelo ter, ao longo dos mais de três anos de mandato, redesenhado o perfil do exercício dos poderes do Presidente da República, por vezes na fronteira da constitucionalidade. E ter feito depender a sua recandidatura de razões não directamente políticas. Desde questões de saúde ou idade até à constatação por si da incapacidade de o Estado prevenir e combater os incêndios e salvaguardar as pessoas e os seus bens, passando mesmo pela vinda do Papa a Portugal em 2022 para as Jornadas Mundiais da Juventude, tinham já sido várias as suas alusões à decisão. Agora, assumiu a sua missão política.
Perante os resultados das europeias que colocam o PSD a mais de 11 pontos do PS e atiram o CDS para quinta força partidária, Marcelo sentiu necessidade de clarificar o que é evidente: a direita parlamentar está em crise de identidade e de relação com a sociedade. Ele, fundador do PSD e seu ex-líder (1996-1999), perante o vazio e a desorientação da direita, considera-se responsável por representar o sector político de onde é oriundo.
Foi isso que disse ao afirmar que, nas europeias, “o PS fortaleceu a sua posição”, acrescentando: “Quem sabe se isso acontecerá de forma ainda mais profunda nas próximas eleições legislativas.” Classificando de “muito preocupante” a situação da direita, Marcelo sublinhou que “há uma forte possibilidade de haver uma crise na direita portuguesa nos próximos anos”. E ergueu-se como responsável pelo equilíbrio do sistema político: “Com um governo forte de centro-esquerda e uma oposição de direita fraca, cabe ao Presidente, não equilibrar, porque não pode ser oposição a nenhum governo, é claro, mas ser muito sensível e sentir que é preciso ter um equilíbrio no sistema político.” Para ser explícito e anunciar para depois das eleições a decisão formal sobre a recandidatura: “Agora, só o resultado das legislativas é que permitirá dizer qual é o equilíbrio a que se chegará em Outubro e, depois, qual é o papel que o Presidente terá até ao fim do mandato, e se isso influenciará ou não a decisão sobre a recandidatura.”
A líder do CDS, Assunção Cristas, reagiu sem valorizar as declarações do Presidente. O líder do PSD, Rui Rio, fê-lo, insistindo em negar a situação política fragilizada do seu partido e considerando que “o que existe é um sistema político, e um regime, que está incapaz de responder à sociedade”. Ninguém nega que há desfasamento entre os partidos e a sociedade, prova disso são os níveis de abstenção. Mas a incapacidade de Rio assumir que o PSD teve o pior resultado da sua história em eleições a que concorreu sozinho (o pior tinha sido os 24,35% nas primeiras legislativas em 1976, com Sá Carneiro) já lhe foi atirada à cara pelo antigo líder da JSD e ministro de Passos Coelho, Jorge Moreira da Silva.
Ainda que tenham formalmente mantido os sete eurodeputados de há cinco anos e um número aproximado de votos e de percentagens em conjunto, a diferença passa pelo contexto. Agora PSD e CDS estão na oposição, em 2014 o país vivia o pico da azia contra Passos depois do terrível período de medidas e de atitude agressiva de governação assumida pelo então primeiro-ministro.
Não é sério prever o fim do CDS ou do PSD. Será, aliás, tremendismo especulativo fazê-lo. Mas há um caminho das pedras que a direita terá de fazer para se reinventar, tal como aconteceu no passado como o PS. Basta lembrar os anos do cavaquismo e a travessia que o PS fez até que António Guterres ganhou as legislativas de 1995 com 43,76%, contra os 34,12% do PSD de Fernando Nogueira. Em 1985, Almeida Santos como candidato a primeiro-ministro afogou o PS nos 20,77% (o PSD de Cavaco Silva teve então 29,87%). Os socialistas continuaram debaixo de água em 1987 com os 22,14% obtidos por Vítor Constâncio, contra a primeira maioria absoluta de Cavaco, lá permaneceram em 1991, quando Jorge Sampaio conseguiu 29,13%.
Hoje a história é mais rápida, mas a crise da direita pode levar tempo. Daí que Marcelo tenha assumido que será de novo candidato a Presidente – para dar conforto à sua área política, ainda que, ao ocupar este espaço, possa condicionar, no imediato, a renovação da direita. Mas ao assumir-se como contraponto ao prolongamento do poder de António Costa, mesmo que os socialistas tenham maioria absoluta, ou mais ainda nesse contexto, Marcelo surgirá perante o país com o estatuto que deseja e sente ser o seu, o de líder natural da direita.