Morreu Mumtazz, artista heteróclita, poética e xamânica
A artista portuguesa Andreia Martha / Mumtazz (1970-2019), que foi uma das artistas mais activas na década de noventa em Lisboa, mas também em Chicago, onde terminou os seus estudos, morreu no dia 1 de Junho. O funeral realiza-se nesta quarta-feira, em Lisboa.
Mumtazz, nome da artista nascida Andrea Martha em 1970, que fez o curso avançado de desenho no Ar.Co e o mestrado na School of the Art Institute of Chicago, como bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian, morreu no passado sábado, em Lisboa, das sequelas de um cancro. Personalidade profundamente marcante junto de outros artistas da sua geração, como Pedro A. H. Paixão, Noé Sendas, António Poppe ou Edgar Massul, optou muito cedo por uma actividade artística marginal a todos os circuitos instituídos e banalizados no mundo artístico contemporâneo.
O público português tomou um contacto mais estreito com a sua obra em Outubro de 2017, quando Nuno Faria assinou no Centro Internacional das Artes José de Guimarães (CIAJG) uma grande antológica da sua obra à qual deu o nome de Hilaritas / Ascensor d’Mente. Hilaritas, uma palavra greco-romana que significa alegria e leveza, foi usada por Ezra Pound nos seus Cantos, e estabelecia assim um elo forte entre artes visuais e poesia que agradava a Mumtazz.
Nuno Faria classificou a sua obra, que conjugava o som, o bordado, a fotografia, a instalação, o efémero e orgânico, como “heteróclita, profusamente poética e misteriosamente xamânica”. Noé Sendas, que foi seu colega, chamou-lhe “deslumbrante, poética, inquieta e inquietante, e sempre mas sempre em transformação.” Na realidade, Mumtazz participava dessa vontade de síntese de todos os modos de expressão e práticas numa totalidade artística que se confundia com a própria existência. Faria acrescenta ainda que, para ela, apenas a “liberdade e a alegria de criar” são fundamentos da experiência humana.
Em 2016, Mumtazz participou ainda na Bienal de Vila Franca de Xira, desta com uma instalação conjunta com Fernando Lemos, o grande fotógrafo que integrou o surrealismo português e que vive no Brasil desde a década de 1950. Na realidade, esta e a antológica já citada são apenas as apresentações mais recentes de um trabalho que começa na década de 1990, na frequência do Atelier Livre da António Arroio, dirigido por Pedro Morais, que continua no curso de desenho do Ar.Co e que se prolonga mais tarde num mestrado em Chicago. Aqui, nas palavras do seu amigo e colega Pedro A. H. Paixão, “a Andreia vivia rodeada de uma corte de íntimos, amigos e admiradores, com os quais desenvolveu os mais variados trabalhos de integração da poesia na vida, deixando marcas profundas que ainda hoje recordamos ao nomeá-la (…) Foi uma imperatriz que susteve sempre de forma régia e refinada um estranho reino de seres”.
Nesta época, trabalhava a performance, tendo também realizado projectos experimentais no teatro e no cinema. Em Lisboa, a partir de 2002, assinou também um filme de animação, Pão, que foi apresentado em festivais internacionalmente.
O funeral realiza-se nesta quarta-feira, dia 5 de Junho, pelas 17 horas, no Cemitério dos Olivais, em Lisboa.