Casos participados ao Conselho de Prevenção de Corrupção aumentaram 40%
Denúncias anónimas na base de quase metade dos processos enviados ao CPC. A maior parte diz respeito a arquivamentos. Casos têm sobretudo a ver com corrupção e peculato.
Em 2018, o Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC) recebeu e analisou mais comunicações judiciais do que no ano anterior: o número passou de 433 para 604, o que representa um aumento de 39,5%. Entre estes processos, as maiores fatias cabem à corrupção, em termos de tipologia de crimes, e a arquivamentos, no que toca a decisões.
Os dados constam do último relatório deste órgão independente que funciona junto do Tribunal de Contas e não tem poderes de investigação criminal ou judiciais. Tem como missão recolher informações, com vista à prevenção, entre muitas outras práticas, da corrupção, da criminalidade económica e do tráfico de influências na Administração Pública ou no sector público empresarial.
Uma das razões para explicar este aumento poderá residir no pedido, reforçado junto dos juízes presidentes e coordenadores do Ministério Público, para enviarem a comunicação de decisões judiciais ao CPC. A par desta tendência, verificou-se, porém, um decréscimo no envio de relatórios de auditoria – este ano, não foi enviado nenhum.
No topo das tipologias de crimes surge a corrupção, com 248 comunicações, o que representa 41% do universo total. Juntando à corrupção o peculato, a fatia sobre para 69%. Em causa estarão acções praticadas por funcionários “contra os serviços da Administração”: no caso da corrupção, acontecerão na relação com utentes dos serviços públicos; no caso do peculato, traduzirão “a apropriação e utilização indevida de bens, valores e património dos serviços, para a satisfação de interesses próprios ou de terceiros”.
Do total deste universo, só 97, porém, apresentam indícios probatórios de corrupção, peculato e outros ilícitos (os despachos de arquivamento são 263 e as notificações de abertura de inquérito são 244). São casos que demonstram, segundo a análise feita, um controlo deficiente de processos relativos a, por exemplo, conflitos de interesses; contabilização de verbas; delegação de funções do Estado; gestão do património; ou registos informáticos.
Estas 97 comunicações, que dizem respeito a procedimentos criminais nos quais foram colhidos elementos demonstrativos dos delitos, representam apenas 16% do total das comunicações recebidas. Aqui, o que sobressai é o peculato e peculato de uso (54 casos). A administração central destaca-se, com 43 casos, dos quais 14 dizem respeito a forças e serviços de segurança. Mas o relatório dá nota também de situações registadas nas forças e serviços de segurança, entidades da saúde e da mobilidade e dos transportes, municípios, juntas de freguesia, e ainda solicitadores e agentes de execução, IPSS’s, escolas de exames para obtenção de licença de condução automóvel e locais de inspecções técnicas a veículos.
Porém, e tal como noutros anos, a maior parte das comunicações diz respeito a arquivamentos (44%) – dentro deste universo, a maioria relaciona-se com crimes de corrupção (132). O cruzamento destes dados reforça a “dificuldade”, já antes verificada, da investigação criminal na recolha de indícios e provas. A denúncia anónima constitui, aliás, a principal forma de iniciar aqueles procedimentos, representando 44,7% dos casos. “Tal como se tem verificado nos anos anteriores, os dados disponíveis suscitam a possibilidade de as denúncias anónimas apresentarem uma tendência para se associarem a decisões de arquivamento”, lê-se.
Delegação de funções públicas a privados
Olhando, porém, para o universo total de comunicações, a maioria (288, 47,7%) inclui a administração local (autarquias e empresas municipais e intermunicipais). Dentro da administração local, a fatia maior cabe aos municípios (223). Segue-se a administração central, com 189 comunicações – as forças e serviços de segurança ocupam o primeiro lugar, com 58 casos.
São áreas, lê-se no relatório, “particularmente expostas à possibilidade de ocorrência de actos de corrupção e de peculato”, o que poderá relacionar-se com “a natureza das funções”, os “conflitos de interesses”, “o exercício de poderes discricionários associados a determinadas funções públicas”, e a situações “de alguma proximidade relacional dos serviços e funcionários com os cidadãos”, como por exemplo “os casos particulares da administração local e das forças e serviços de segurança”.
Tendo por base os dados que recebe, a CPC fez um estudo, um “mapeamento de áreas e factores de risco na gestão pública” e, entre as “fragilidades” detectadas, refere a gestão dos acessos informáticos, o que inclui utilização indevida de passwords para aceder de forma “encapotada” a sistemas informáticos; a alteração de registos contabilísticos e valores cobrados; o acesso a informação reservada e partilha “indevida e ilícita” com terceiros.
Outra fragilidade relaciona-se com a acumulação de funções privadas e públicas e conflitos de interesses. Identificou-se ainda um “exercício deficiente do controlo pelos serviços públicos” sobre “actividades de interesse público delegadas pelo Estado a entidades com carácter privado” (dos 97 casos em que foram recolhidos indícios, 22 dizem respeito a funções públicas delegadas). Neste mapa de riscos, o CPC inclui ainda fragilidades na gestão de verbas e de materiais dos serviços; indefinição nos critérios de contratação pública e na atribuição de apoios; e decisões administrativas motivadas por subornos.
O CPC deixa várias recomendações, tais como “a necessidade de as entidades do sector público” terem planos de prevenção de riscos de corrupção e infracções conexas, em articulação com códigos de ética e de conduta e “manuais de boas práticas”.
As 604 comunicações em causa representam aquelas que foram as recebidas pelo CPC e não a totalidade das decisões judiciais tomadas durante aquele ano, sobre alegadas práticas de corrupção, entre outros crimes.