Um pai e uma filha em greve: isto não é “uma luta geracional”
Na primeira manifestação em que participou, Pedro tinha a idade de Inês: oito anos. Hoje, o pai trouxe a filha aos protestos contra as alterações climáticas, no Porto. Os jovens activistas pelo clima, como Greta Thunberg, já pediram a mobilização de todos em Setembro. O testemunho na primeira pessoa de Pedro Pereira, 40 anos, activista social e formador.
“Estava a falar com a minha filha Inês: na primeira manifestação em que participei tinha sensivelmente a idade dela. Foi há 30 anos, relacionada com a poluição de uma fábrica que existia em Matosinhos. E foi a própria escola que organizou.
[A discussão sobre as faltas injustificadas] espelha aquilo que são, de facto, as prioridades e vai um pouco ao encontro de todo um conjunto de dinâmicas que já estão instaladas. O sistema de ensino, infelizmente, muitas vezes acaba por não ser uma excepção e também repercute esta lógica de tentar educar os indivíduos para serem competitivos, para o mercado de trabalho. No fundo, para participarem no sistema capitalista — mais do que para pensarem por si próprios e assumirem um papel activo na sociedade. Nesse sentido, acho que acaba por ser mais importante o papel dos pais ao tentarem transmitir os valores que, muitas vezes, na escola, acabam por passar um bocado ao lado.
Esta não é uma luta geracional. É, ou deveria ser, uma questão, intergeracional e transversal a todas as classes sociais. Mas, neste caso, o que é particular é haver uma geração tão jovem que assume as rédeas e isso é muito positivo e dá-nos algum alento e esperança.
O papel de nós todos é o mesmo de sempre — ou o que deveria ser o mesmo de sempre. É o cidadão comum assumir uma postura mais activa e interventiva. Infelizmente, esse não é o padrão predominante. O padrão predominante é sempre os cidadãos acharem que as questões têm de ser decididas a nível político ou ao nível da economia e que não são directamente responsáveis por elas.
Mais do que nunca, é importante o cidadão comum ter noção do seu papel e de assumir a sua capacidade de intervenção. Dentro do que vou conseguindo, tento alterar alguns hábitos e tentar que a minha pegada ecológica seja o menor possível. E depois, ao nível de intervenção, é importante as pessoas fazerem isto que está a acontecer aqui: associarem-se, organizarem actividades, acções de sensibilização, de protesto especialmente, porque há sempre decisões que são tomadas e só contribuem para agudizar ainda mais o problema das alterações climáticas. No caso português, por exemplo, destaco o caso das concessões de exploração de petróleo. E muitas vezes esse tipo de decisões acabam por ser implementadas sem que haja constatação ou oposição por parte da sociedade civil, que ainda está bastante adormecida.
Portugal deveria, obviamente, ter declarado emergência climática. É um passo importante de assumir a verdadeira gravidade da questão. Mas claro que há sempre muita resistência à mudança e é mais fácil manter o sistema e manter o poder daqueles que beneficiam com ele — mesmo que implique a destruição ecológica — do que realmente haver a ruptura desse tipo de interesses e de lobbies que, infelizmente, ainda controlam muito o sistema político e o sistema económico.
Domingo [26 de Maio], vou votar. Pessoalmente, considero o poder do voto relativo. Há muitos outros que passam pela mobilização da sociedade civil e não, simplesmente, por ir votar de quatro em quatro anos. O voto é apenas um dos poderes, uma tentativa de tornar o sistema mais ou menos sensível. Mas considero mais importante estar aqui hoje e aquilo que faço ao longo do ano e outros projectos e associações em que estou envolvido. As mudanças e as acções de fundo passam muito mais por aquilo que cada um faz no dia-a-dia.
Há todo um conjunto de problemas que acabam por estar muito associados. As alterações climáticas passam por haver um sistema que perspectiva o planeta quase como um supermercado. É uma questão estrutural e depois claro que isto se acaba por reflectir em muitas áreas.
As crianças estão numa idade onde são especialmente sensíveis e têm maior abertura para novas ideias, para aprender. A tendência, infelizmente, é para nos tornarmos mais fechados à medida que envelhecemos. Não lhe expliquei o que vínhamos aqui fazer só ontem. Explico-lhe no seguimento da educação que tento transmitir e sensibilizar para os problemas que existem, questões sobre as quais elas já está relativamente informada.”