O papel dos Advogados na Europa
No seu dia-a-dia, os Advogados são permanentes radares para detecção de todos os ataques e de todos os inimigos do Estado de Direito.
Europa, Democracia e Estado de Direito. Foi por isto que tanta juventude se sacrificou nos campos de batalha. Mas nem a Democracia, nem o Estado de Direito, nem a Europa são dados adquiridos. Como tudo o que é construção humana, são frágeis, perecíveis e estão até sujeitos ao ar do tempo. Democracia, justiça, liberdade, transparência são parte integrante da Europa que construímos e defendemos e que devemos preservar activamente.
Todos somos poucos para as mantermos vivas e incólumes. E esse é um trabalho de todos os dias. É preciso estar alerta, conhecer bem os valores, os princípios, as regras e defendê-los. Defender o Estado de Direito Democrático e Social é construir a Europa, é participar dela. É fazê-la.
Com as eleições europeias à porta, a reflexão sobre a Europa, o seu sentido e significado e o nosso papel enquanto Advogados na consolidação desse sentido é um imperativo cívico.
Aqui é crucial a importância do advogado, da profissão advocatorial, da prática da advocacia e da sua institucionalização, não só na defesa contra o próprio poder judicial, mas também de prevenção nas áreas da compliance, do estímulo a práticas não corruptivas, o que implica também uma auto-pedagogia profissional, sem cair em facilitismos. Como comunidade interpretativa muito específica e bem-sucedida, no interior de um subsistema fortemente auto-subsistente, cabe-lhe externalizar o melhor possível o sentido da sua actividade e internalizar as críticas de parceiros e cidadãos em geral. O advogado oferece e constitui um momento de diferenciação, que tem componentes estratégicas ou tácticas, atendendo os interesses em causa, mas visando a sua adequação a um sistema normativo, louvando-se em valores fundos, como o da própria autonomia individual e da defesa dos mais vulneráveis.
Neste contexto, a Ordem de Advogados Portugueses há-de recordar aos membros as responsabilidades que lhes competem, interpretando curialmente o interesse público na sua determinação, exigência e controlo, mas também exprimir para a sociedade e junto de outras instâncias a perspectiva própria dos advogados, terminações sensíveis dos atropelos sociais, e vanguardas da negociação entre valores, poderes e interesses que o direito sintetiza e sublima permanentemente.
No seu dia-a-dia, os Advogados são, devem ser, permanentes radares para detecção de todos os ataques e de todos os inimigos do Estado de Direito. Os Advogados possuem os equipamentos necessários para o efeito e, mais do que ninguém, sabem como e onde os cidadãos e as instituições sofrem os maiores ataques. O seu trabalho é um permanente confronto com a realidade.
Actualmente existem vários atentados ao Estado de Direito, nomeadamente, o excesso de burocracia, o excessivo custo do acesso aos tribunais, em especial aos mais desfavorecidos, a falta de recursos humanos nos serviços públicos, a legislação que fragiliza os nossos direitos individuais ou colectivos, a legislação que dificulta, porque encarece, o nosso acesso a serviços privados mas de interesse público, como os serviços bancários.
O Advogado é um cidadão especialmente habilitado a detectar estes atentados, e é seu dever lutar contra eles, denunciá-los, tentar eliminá-los, seja na sua actuação individual, seja no contexto da Ordem. É por sempre terem existido Advogados que responderam a esse apelo cívico que tanto nos orgulhamos da nossa profissão.
É também por sempre terem existido esses Advogados que a nossa profissão é alvo de ataques, limitações e privações. Na Europa, sinónimo de Estado de Direito, sinónimo de democracia, esses ataques são agora mais frequentes, na Hungria, na Polónia, na Turquia, há advogados presos, há advogados silenciados. Importa, pois, levantar a voz contra esses ataques, porque eles são sempre, em última análise, ataques ao Estado de Direito, à Europa que construímos.
É preciso assegurar a existência de uma advocacia independente, representada por uma Ordem forte e respeitada, preservar o segredo profissional, ouvir a advocacia no processo legislativo, nacional e europeu, oferecer maior certeza e segurança aos cidadãos, sendo uma tarefa vital para a preservação do Estado de Direito.
Devemos, pois, seguindo o Manifesto do CCBE para as eleições europeias, exigir que as instituições europeias atribuam um lugar de destaque, entre as suas preocupações e no seu trabalho, às questões relativas ao Estado de Direito Democrático e à Justiça.
Devemos exigir às instituições europeias que garantam aos cidadãos o direito à revisão efectiva da legislação e das decisões governamentais, por forma a assegurar que as mesmas em nada atacam o Estado de Direito, que garantam a todos o acesso a um advogado e o respeito pelas garantias processuais, que encorajem a transparência e que assegurem o respeito pelos direitos fundamentais, em especial aqueles que hoje estão tão postos em causa, o direito de cada um à vida privada e à confidencialidade.
Cumpriremos assim a nossa função de Advogados, de voz dos que buscam justiça.
É por entender a importância da União Europeia no dia-a-dia dos cidadãos em geral e, desde logo, a sua presença incontornável nas matérias com as quais os advogados lidam no exercício da sua profissão, que publicámos um número especial do Boletim da Ordem dos Advogados. Já em 15 de Novembro de 2018 o Ciclo de Conferências de S. Domingos, promovido pela Ordem dos Advogados e o seu Conselho Geral, se encetou sob a temática “A União Europeia e Portugal”.
Nesta época eleitoral ganha particular importância relembrar temas que refletem a natureza única da UE e a sua (omni)presença na vida das pessoas e empresas e na actividade desenvolvida pelas profissões jurídicas. Recorde-se, a este propósito, que o Tratado da União Europeia estabelece que a União Europeia (UE) se funda “nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de Direito e do respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias”. E acrescenta que “estes valores são comuns aos Estados-membros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, a não-discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres”.
Para mais, do “Direito da UE fazem parte, enquanto princípios gerais, os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-membros”. Mais estabelece o Tratado que o objetivo da UE é a promoção “[d]a paz, [d]os seus valores e [d]o bem-estar dos seus povos” (art. 3.º), e é neste âmbito que a UE “proporciona aos seus cidadãos um espaço de liberdade, segurança e justiça sem fronteiras internas”.
Não o esqueçamos: a UE somos todos nós. Por isso, e independentemente do pensamento de cada um e da respectiva opção política, é imperativo de cidadania votar na eleição do próximo domingo.