Em Bencatel, a jogar à manilha e a reclamar aumento da reforma
Na primeira (e penútima) vez que a CDU passa de fugida pelo Alentejo, João Ferreira criticou quem agora lamenta a desertificação do interior mas a promoveu com a falta de investimento. Os reformados que tentou convencer ainda estão de pé atrás com o que recebem ao fim do ano.
Tal como em muitas vilas e aldeias, a antiga escola primária de traça Estado Novo de Bencatel já não se enche com os risos das crianças. Agora é coito dos reformados, com as mesas das salas a serem ocupadas com jogos de cartas e de dominó a seguir ao almoço. O calor lá fora hoje não está assim tanto de estalo – apesar dos 36 graus, corre uma aragem -, mas pouco mais há para fazer quando já se deixou o trabalho nas pedreiras que bordeiam as estradas para Vila Viçosa ou o Alandroal e o sol ainda vai alto para rumar à horta.
Joaquim Gama e António Perico jogam à manilha com mais dois amigos numa das três mesas ocupadas. São os mais faladores, mas é Perico quem não se acanha nas críticas. Pela forma como refila, ainda não está convencido em seguir o conselho de João Ferreira que lhe estende um panfleto da CDU e recomenda: “O voto acertado é na foice e no martelo, com o girassol ao lado. Com o girassol ao lado! Há outro que p'ra aí anda só para enganar! É no último quadrado!”
De um dos lados, o papel simula o boletim de voto com a longa lista de partidos desfocados, deixando bem legível o último, a CDU. “Ah, já excluíram os outros todos para a gente não fazer confusões”, ri-se Joaquim Gama, que vai admitindo que já sabe “onde é”. Mas António Perico está mais difícil de convencer. Queixa-se da reforma que não cresce à mesma velocidade que os salários da função pública. Esses “levam tudo”.
“Esses não levaram aumento durante dez anos”, replica João Ferreira, que se justifica: “Nós temos que lutar por todos, do público e do privado. Não somos como alguns que querem voltar uns trabalhadores contra os outros – e isso acaba sempre mal para todos.” O comunista diz que deve haver um salário mínimo igual para todos e que deve ser de 850 euros. “Veja lá que se o salário mínimo tivesse aumentado pela inflação desde que foi criado já ia em mais de 900 euros e nós só pedimos 850…”
Perico coça a cabeça, ajeita o boné camuflado e insiste nos privilégios dos outros, os que só trabalham 35 horas e o privado tem pelo menos 40 horas por semana. Nas pedreiras e serrações de mármore ali à volta, onde trabalhou 46 anos, continua a exigir-se as 40 e as horas extra ninguém as paga a mais de cinco euros. “Nós defendemos as 35 horas no público e no privado, foi o PS que é Governo que não quis”, vinca João Ferreira. Ambos continuaram no pingue-pongue: “Os reformados ganham uma miséria”, queixa-se o septuagenário. “Recuperou o 14.º mês e teve aumentos de seis ou de dez euros. E olhe que o PS não queria”, diz uma militante que acompanha o candidato. Nada, Perico faz contas: vai dos 70 e tal euros que pagou de IRS de 2016 até aos mais de 200 que terá que pagar pelas reformas do ano passado.
“Mas recuperou”, insiste Ferreira. “Ora, dão com uma mão mas cortam com a outra! Eu ganho mais, mas estou a descontar mais”, gesticula Perico, já a mostrar o seu jogo aos outros que estão na mesa. Joaquim Gama vem em socorro do companheiro da manilha: “A mim tiveram o descaramento de mandar uma cartinha a dizer que o aumento era de um euro.” Ri-se com o ridículo da situação. “É quase o preço do selo…” João Ferreira tenta arrumar o assunto: “De domingo a oito têm que levar a indignação até ao voto!” “Deixe estar que esse está certo”, promete Gama, enquanto Perica continua a remoer baixinho.
Os camaradas voltam à rua porque é tempo de seguir para uma arruada em Évora e gastar as energias do cozido de grão do almoço. Altura em que João Ferreira criticara quem agora na campanha anda pelo interior a “chorar lágrimas de crocodilo” pelo seu abandono, mas promoveu no Governo o seu despovoamento ao não lhe canalizar os recursos necessários. “Às vezes só faltou levarem os cemitérios. Levaram a escola, o centro de saúde, as freguesias, os correios, os centros de distribuição postal. Levaram tudo isso e agora vêm chorar lágrimas de crocodilo e fazer o discurso de carpir mágoas!?” Voltou ao tema, fazendo dos CTT o exemplo máximo desse abandono.
Com casos concretos de como as decisões de Bruxelas se repercutem negativamente no quotidiano da população, João Ferreira diz querer centrar a campanha no debate sobre a Europa. “Não contam connosco para desviar esta campanha disto, que nos parece essencial, para questões ou questiúnculas acessórias, fulanizações, apreciações mais ou menos depreciativas sobre este ou aquele candidato.”