Amnistia denuncia execuções sumárias, detenções e mortes às mãos de agentes do Governo venezuelano
Segundo a organização, os crimes de Direito Internacional e as violações dos direitos humanos cometidos em Janeiro foram realizados de forma consistente em quase todo o país, com um alto nível de coordenação entre as forças de segurança nos níveis nacional e estadual.
As execuções, detenções e mortes por uso excessivo da força pelos agentes do Governo venezuelano podem constituir crimes contra a humanidade, alerta um relatório da Amnistia Internacional divulgado nesta terça-feira sobre a violência que provocou 47 mortos em Janeiro.
De acordo com o documento intitulado “Fome por Justiça: Crimes de Lesa Humanidade na Venezuela”, uma missão de investigação deslocou-se ao país em Fevereiro para avaliar os acontecimentos de Janeiro.
Devido às características dos ataques, bem como a existência de padrões semelhantes em 2014 e 2017, a Amnistia considera que podem ter sido cometidos crimes contra a humanidade na Venezuela, o que deve ser determinado por um órgão judicial independente e imparcial.
Segundo o relatório, a violência, associada à grave situação económica e social no país, já levou mais de 3,4 milhões de venezuelanos a deixarem o país desde 2015.
Na missão à Venezuela, os especialistas da AI reuniram-se com dezenas de vítimas de crimes previstos no Direito Internacional que foram vítimas de graves violações dos direitos humanos, principalmente em Janeiro, período de grandes manifestações contra o Governo em todo o país.
De 21 a 25 de Janeiro, em 12 dos 23 estados, pelo menos 47 pessoas foram mortas nos protestos, todas por armas de fogo. Pelo menos 33 dessas pessoas foram mortas por agentes das forças do Estado e seis foram mortas por terceiros que agiram com a aquiescência das autoridades durante as manifestações.
Onze das mortes foram execuções extrajudiciais, das quais a AI documentou em profundidade seis casos, incluídos no relatório.
O líder da Assembleia Nacional, o opositor Juan Guaidó, autoproclamou-se Presidente da Venezuela a 23 de Janeiro e recebeu o apoio de cerca de 50 países estrangeiros, incluindo Portugal.
De 21 a 25 de Janeiro, mais de 900 pessoas foram detidas de forma arbitrária em praticamente todos os estados do país.
Dessas detenções arbitrárias, que incluíram crianças e adolescentes, estima-se que aproximadamente 770 ocorreram num único dia, em 23 de Janeiro, a data em que as manifestações foram convocadas em toda a Venezuela.
Desde 2014 que a Amnistia documenta os padrões e políticas repressivas do Governo de Nicolás Maduro, incluindo o “uso excessivo da força contra os manifestantes e o tratamento cruel, desumano e de tortura”, para neutralizar o protesto social.
A AI identificou e denunciou os padrões de detenções arbitrárias por motivos políticos através da análise de 22 casos emblemáticos e identificou pelo menos seis prisioneiros de consciência.
A AI também denunciou mais de oito mil execuções extrajudiciais por parte das forças de segurança entre 2015 e 2017, entre as quais oito casos foram documentados em profundidade, dando conta que padrões semelhantes de ataque foram dirigidos a jovens e homens pobres.
Toda esta documentação permitiu à AI identificar a natureza sistemática e generalizada dos eventos de Janeiro de 2019 contra a população civil.
Segundo a organização, os crimes de Direito Internacional e as violações dos direitos humanos cometidos em Janeiro foram realizados de forma consistente em quase todo o país, com um alto nível de coordenação entre as forças de segurança nos níveis nacional e estadual.
As autoridades ao mais alto nível, incluindo Nicolás Maduro, sabiam destes factos e não tomaram as medidas necessárias para impedi-los ou investigá-los, acusa a AI. Por isso, a organização considerou que o encobrimento desses e de outros crimes subsequentes fazem parte da política de repressão.
A AI recomenda a criação de uma comissão de inquérito no âmbito do Conselho de Direitos Humanos da ONU durante sua próxima sessão em Junho e Julho.
Também recomendou a consideração e estudo desses factos pelo Tribunal Penal Internacional, que mantém um exame preliminar à Venezuela desde o início de 2018.