Quase cinco pessoas detidas por dia em processos de violência doméstica
Desde 1 de Janeiro e até 10 de Maio, a PSP deteve, pelo menos, 247 pessoas, e a GNR 382. Dados das últimas semanas ainda são “indicativos”, avisa PSP, pelo que o número final pode ser ainda mais elevado.
Desde o início do ano e até à passada sexta-feira, a Polícia de Segurança Pública (PSP) e a Guarda Nacional Republicana (GNR) detiveram, pelo menos, 618 pessoas no âmbito de processos relacionados com violência doméstica. Em média, são quase cinco pessoas por dia. Só nessa sexta-feira, a GNR dava conta da detenção de quatro homens. Dois deles exerciam algum tipo de violência sobre a mulher, um sobre a companheira e o outro sobre a ex-namorada. Eram de Campo Maior, Porto de Mós, Caldas da Rainha e Seia. Três ficaram em prisão preventiva, mas ao suspeito de Campo Maior, de 47 anos, suspeito de agredir a mulher de 45 anos, foi aplicada a medida de coacção de “proibição de se aproximar da residência, proibição de contactar a vítima por qualquer meio e obrigação de se sujeitar a um tratamento médico, com vista a controlar a dependência de produtos estupefacientes”.
Olhando para os comunicados divulgados pela GNR sobre detenções e apreensões de armas relacionados com processos de violência doméstica, percebe-se que o cenário não mudou, quando comparado com o retrato de vítimas e agressores traçado pelo Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2018: a esmagadora maioria das vítimas são mulheres (representavam 78,6% no ano passado e 79% em 2017, segundo o relatório) e os agressores são homens (83,5% em 2018 e 83,8% em 2017, segundo a mesma fonte).
O RASI indica que a pessoa com quem o agressor tem ou teve um relacionamento amoroso (cônjuge e companheira/o actuais ou prévios) é a que mais sofre violência doméstica – representavam 69,8% das vítimas em 2018 e 70,5% em 2017. Estes dados continuam a ser válidos também para este ano. Segundo as informações oficiais da PSP, das 247 detenções realizadas desde 1 de Janeiro até 10 de Maio, 194 referiam-se a um suspeito que teria exercido algum tipo de violência contra “cônjuges ou análogos”. Mas basta ler os comunicados emitidos quase diariamente pela GNR para perceber que a violência recai também – ainda que em muito menor número – sobre outros membros da família, incluindo os pais e os filhos dos agressores. O tipo de violência exercida pode ir da ameaça à agressão ou à violação, como também é perceptível nesses documentos.
A 12 de Fevereiro, um homem de 51 anos foi detido em Mafra. Durante a investigação que durou quase um mês, os militares da GNR concluíram que o suspeito “terá mostrado uma arma de fogo à filha menor, dizendo que aquela arma era para matar o seu irmão e a mãe, sua ex-companheira”. Com antecedentes “pelo mesmo tipo de crime”, o homem ficou em prisão preventiva. Dois dias depois, outro reincidente, com 38 anos, foi detido em Vila do Conde por ter ameaçado de morte com uma faca de cozinha, “obrigando-a a práticas sexuais”, uma ex-namorada. Ficou com pulseira electrónica e proibido de se aproximar ou contactar a vítima. No dia 18 desse mês, três outros homens foram detidos pela GNR, em Amarante e Felgueiras. Um deles, com 39 anos, ameaçou e agrediu “com socos na cabeça” a mulher da mesma idade com quem vivia em união de facto. O suspeito, também reincidente neste tipo de crime, ao ouvir a vítima pedir a separação, tê-la-á ameaçado de morte, “fazendo alusão ao duplo homicídio seguido de suicídio ocorrido no Seixal”, lê-se no comunicado. Ficou com pulseira electrónica.
Mulher suspeita de agredir a mãe
Já em Castro Daire, a 26 de Março, a GNR deteve um homem de 56 anos, suspeito de injuriar e ameaçar de morte a mãe de 77. No comunicado em que dava conta da detenção, a GNR explanava: “As agressões tiveram início há cerca de três anos, quando o agressor foi viver para casa da sua mãe, no momento em que terminou o cumprimento de pena de prisão de 16 anos, pela prática de abuso sexual de crianças.” O homem ficou em prisão preventiva. Há casos de agressões com facas, ameaças de divulgação de imagens íntimas, agressões com paus ou até mesmo mulheres forçadas a abortar, como aconteceu a uma vítima de Amarante, de 37 anos, que estava grávida de seis semanas. A única agressora que aparece nos comunicados da GNR consultados tem 36 anos e foi detida em Março, na Costa da Caparica, por suspeita de “agredir fisicamente, de forma reiterada e continuada, a sua mãe, de 60 anos”.
Segundo as informações enviadas ao PÚBLICO pela PSP, no ano de 2019, e até 10 de Maio, houve 247 detenções por violência doméstica – um número “indicativo”, salvaguardam as relações públicas daquela força de segurança, já que pode haver mais casos ainda não contabilizados. A GNR indica que até 30 de Abril foram registados 4222 crimes de violência doméstica, tendo sido detidas 371 pessoas. Se juntarmos a este número os casos revelados pelos comunicados divulgados durante o mês de Maio, até ao dia 10, chega-se a 382 detenções (pode haver casos que não aparecem nesses comunicados, pelo que o número final poderá ser mais elevado). Os militares informam ainda que, no âmbito de processos de violência doméstica, foram apreendidas 263 armas, das quais 210 armas de fogo e 53 armas brancas.
O número de detenções tem vindo a aumentar nos últimos anos – só na PSP foram 516 em 2016, 565 em 2017 e 598 em 2018. Quanto às ocorrências, os dados divulgados pelo RASI indicam que em 2018 houve 26.432 e no ano anterior registaram-se 26.746. Apesar deste valor elevado, o número de acusações é diminuto. Segundo o mesmo relatório, dos inquéritos concluídos em 2018, apenas 4613 (14,4%) resultaram em acusação, enquanto 20.990 (65,5%) foram arquivados.