A tragédia de Rana Plaza revisitada
As empresas multinacionais não podem continuar a beneficiar de um sistema de justiça que permite a sua impunidade.
Fez, a 24 de Abril, seis anos que aconteceu a falha estrutural de um edifício, a mais letal da história moderna, que resultou em 1134 mortos e cerca de 2500 feridos. Não se tratou de um erro de engenharia, mas de uma demonstração trágica de como o comércio injusto se pode transformar num assassino em massa. Vale a pena relembrar os acontecimentos que praticamente caíram em esquecimento e cujas verdadeiras causas continuam longe de estar resolvidas.
Uma grande parte do vestuário vendido em lojas como a Mango, El Corte Inglés ou Carrefour é produzido no Bangladesh, o quarto maior exportador de roupa do mundo. Neste país, a maioria dos trabalhadores ganha pouco mais que o salário mínimo de aproximadamente 30€ por mês. Um dos locais onde o vestuário era produzido era o Rana Plaza em Savar, perto de Daca, capital do Bangladesh. Este edifício, construído em 2008, originalmente de cinco andares e posteriormente aumentado para oito, violava ostensivamente as regras básicas da construção: grande parte do edifício estava assente sobre um antigo lago, os materiais eram de fraquíssima qualidade e nunca foi adaptado para uso industrial, que envolve cargas e vibrações elevadas. Até os próprios terrenos tinham sido adquiridos de forma fraudulenta. Era nesse edifício que funcionavam, nos primeiros andares, várias lojas e um banco e, do terceiro ao oitavo andar, fábricas de roupa que empregavam cerca de 5000 trabalhadores.
A 23 de Abril de 2013, quando, devido a uma falha de electricidade, foram ligados os geradores, ouviu-se uma enorme explosão e apareceram rachas em todo o edifício. Os trabalhadores, assustados, pararam de trabalhar e saíram. Um engenheiro visitou o local, tendo recomendado que o edifício fosse fechado. Usando a sua influência nos meios de comunicação locais, o proprietário do edifício fez passar na comunicação social a história de que o edifício estava seguro. No dia seguinte, as lojas e o banco não reabriram, mas as fábricas continuaram a funcionar, assim como as creches associadas a essas fábricas. Os empregadores ameaçaram com despedimentos e com o não pagamento dos salários em atraso – uma forma de coacção muito comum nesse país – se os trabalhadores não comparecessem. Às 9h da manhã, o edifício desabou.
A operação de resgate durou até ao dia 13 de Maio e foi, de acordo com a ONU, feita com meios pouco adequados. Por uma questão de orgulho nacional, o governo recusou diversas ofertas de ajuda internacionais e tentou terminar o resgate prematuramente.
Das 29 marcas identificadas como tendo produtos fabricados na Rana Plaza, várias contribuíram para um fundo de indemnização voluntário, apoiado pela Organização Internacional do Trabalho. Porém, outras recusaram assinar o acordo de indemnização às vítimas, incluindo a Carrefour e a JCPenney. Várias famílias não foram indemnizadas por não terem conseguido os documentos necessários para comprovar as suas reivindicações e outras lutam pela sobrevivência, depois de terem perdido a sua principal fonte de sustento económico.
A complexidade das relações entre as empresas, quer ao nível das cadeias de produção, quer ao nível da posse do capital, permite às empresas multinacionais fugir às suas responsabilidades e garantir a sua impunidade, ao mesmo tempo que auferem os lucros de um negócio que minimiza os custos de produção até ao extremo, sem respeito pelos Direitos Humanos. O caso Rana Plaza é um exemplo dramático desta situação inaceitável. Por outro lado, esta tragédia também evidencia as lacunas de acordos para cumprimento dos Direitos Humanos que não tenham carácter vinculativo.
As empresas multinacionais não podem continuar a beneficiar de um sistema de justiça que permite a sua impunidade. É por isso que urge apoiar nas Nações Unidas a redacção e aprovação de um Tratado de Direitos Humanos e empresas transnacionais e respectivas cadeias de produção (conhecido como “Tratado Vinculativo”) e, à escala nacional ou europeia, legislação contra a impunidade empresarial.