Serviços secretos europeus cortam com a Áustria por ligações à Rússia
A cooperação do partido do ministro austríaco do Interior, o FPÖ, com a Rússia Unida de Vladimir Putin é encarada com suspeição pelas agências europeias. Londres e Haia já restringiram partilha de informação.
As agências de informação e espionagem do Reino Unido e Holanda restringiram a informação que partilham com a Áustria, em mais um passo no isolamento dos serviços de informação interna do país (BVT, agência de Protecção da Constituição e Contraterrorismo). O motivo: a BVT está sob alçada directa do Ministério do Interior, ocupado por Herbert Kickl, do FPÖ (Partido da Liberdade).
A ligação do FPÖ (Partido da Liberdade), formação política de extrema-direita fundada por antigos nazis, ao partido Rússia Unida, do Presidente russo, Vladimir Putin, é forte e visível. Os dois têm um acordo de cooperação formal (questionado pelo diário austríaco Der Standard sobre o que implica este acordo, o FPÖ não respondeu), e há também ligações entre os responsáveis: Putin foi convidado no casamento da ministra dos Negócios Estrangeiros da Áustria, Karin Kneissl – imagens dos dois a dançar na cerimónia levantaram ainda mais questões sobre a relação do FPÖ com a Rússia.
Putin disse que o convite foi “puramente pessoal”, mas acrescentou, em declarações à imprensa, que, “apesar das festividades, foi possível falar tanto com a ministra como com o chanceler”, Sebastian Kurz, do partido conservador ÖVP e que governa em coligação com o FPÖ desde Dezembro de 2017.
Reportar ao chanceler
Antes de constituir o Governo, em que os ministérios da Defesa, Interior e Negócios Estrangeiros seriam ocupados pelo FPÖ, Kurz propôs que os serviços de informação e segurança reportassem também directamente ao chanceler. A proposta não foi concretizada e Kurz voltou a fazê-la agora.
O problema destes ministérios estarem nas mãos do FPÖ inclui no campo interno, as investigações a organizações de extrema-direita e, no campo externo, o potencial de passagem de informação, própria ou partilhada por agências congéneres de outros países, à Rússia.
A BVT já tinha sido afastada, na prática, do Clube de Berna, organização de troca de informação dos países da União Europeia, Suíça e Noruega, após um raide da polícia à BVT. O motivo expresso era investigar uma operação conjunta com a Coreia do Sul para obter passaportes norte-coreanos, mas foi vista como uma mensagem à agência e um modo de a pressionar.
O Reino Unido e a Holanda, que restringiram ainda mais a partilha com a Áustria, são dois dos países mais afectados por acções da Rússia. O Reino Unido foi, no ano passado, o palco do ataque ao antigo agente duplo Serguei Skripal e a sua filha, pelo qual as autoridades culpam Moscovo – a Áustria, invocando neutralidade, foi a excepção entre os países europeus, recusando expulsar diplomatas russos em protesto pelo ataque em solo britânico.
A Holanda, pelo seu lado, evitou também em 2018 um ataque de agentes russos à Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ), com sede em Haia, apanhando os espiões em flagrante. Também foi o país com maior número de vítimas entre os 298 mortos da explosão do voo da Malaysia Airlines atingido em território rebelde na Ucrânia por um míssil usado pelo exército russo.
A capital dos espiões
O facto de a Áustria se recusar a extraditar os diplomatas russos tem especial relevância porque Viena é considerada a “capital dos espiões” da Europa (embora o título seja cada vez mais disputado com Bruxelas). A posição era historicamente da capital austríaca pela posição entre as duas guerras mundiais, e no início da Guerra Fria havia um grande número de refugiados na cidade, muitos dispostos a vender informação.
Actualmente, tem quatro sedes de agências da ONU e cerca de 40 organizações internacionais, quase 4000 diplomatas – e uma lei do tempo do Império Austro-Húngaro que penaliza apenas a espionagem contra a própria Áustria. Um antigo chefe de espionagem disse ao britânico The Telegraph que Viena, cidade de 1,8 milhões de pessoas, tem mais de 7000 espiões. “Além de tudo, é um bom sítio para os espiões viverem e trazerem as suas famílias.”
A ligação a Christchurch
A diminuição da troca de informação já está a ter consequências para a Áustria. No caso do atentado contra duas mesquitas de Christchurch, na Nova Zelândia, a maior parte dos países europeus teve rapidamente acesso a informação sobre a passagem pela Europa do australiano que está a ser acusado pelo atentado.
Mas a Áustria demorou dias a perceber a ligação, e a saber de uma transferência de 1500 euros do australiano para a organização de extrema-direita austríaca Movimento Identitário, nota o jornal Der Standard.
O diário austríaco explica que o caso de Viena é particular entre outros europeus que têm partidos com simpatias pela Rússia no Governo, desde o Syriza na Grécia à Liga em Itália: os austríacos são os únicos em que o controlo dos serviços de informação está mesmo nas mãos do partido pró-russo.
A Rússia é vista pela maioria dos países europeus como um adversário que procura semear o caos, com interferências que vão desde a mais directa nas eleições francesas (“a tentativa falhada mais clara de uma entidade influenciar um processo eleitoral nos últimos anos”, segundo Heather A. Conley, directora para Europa do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, com sede em Washington), até à mais subtil na Alemanha, onde as autoridades russas usaram uma falsa violação de uma adolescente russófona em Berlim para atingir a política de receber refugiados da chanceler, Angela Merkel.
Com as eleições europeias à porta, muitos temem nova onda de influência numa votação em que partidos populistas e eurocépticos, que querem paralisar a União Europeia a partir do seu centro, ameaçam ter um bom resultado. Uma das tarefas da BVT é prever e evitar tentativas de interferência russa em eleições.