Jerónimo fez as pazes com Costa
Vale a pena ler os longos comunicados da Soeiro Pereira Gomes. E não, o PCP não é um partido adormecido ou completamente parado no tempo.
A política tem coisas enternecedoras. Há paixões, zangas, tréguas e alianças. Mesmo em documentos oficiais, extensos e, por vezes, indecifráveis como os comunicados do comité central do PCP.
No ano passado, os comunistas estavam irritados com o primeiro-ministro, olhavam para ele e parecia que só viam defeitos. O comunicado da reunião de Julho repetia 21 vezes que o PS se tinha colocado não apenas ao lado do PSD de Rui Rio, mas, pior - na liturgia da rua Soeiro Pereira Gomes -, ao lado do CDS de Assunção Cristas. A mensagem era clara: Costa pouco se diferenciava da direita e tudo o de bom, e “de esquerda”, que o Governo fizera tinha sido graças ao PCP. No início de Janeiro do ano passado, alertavam para os riscos do ressurgimento de um novo bloco central. Havia um perigo sério de Costa aliar-se ao PSD.
Eis que subitamente (quase) tudo mudou. Esta semana, o comité central, que se reúne normalmente de seis em seis meses, foi muito mais brando com o PS. É certo que critica a “convergência com o PSD e o CDS na defesa dos interesses do grande capital e de submissão às imposições do Euro e da União Europeia” ou “a posição de alinhamento com o imperialismo" no caso da Venezuela.
Mas que aconteceu à "persistência do Governo minoritário do PS em opções e políticas que não rompem com décadas de política de direita e que mantém e agrava os problemas do país"? Não, não é uma frase de 1980 nem de 2014. É de Julho de 2018, quando a “geringonça” fazia o seu caminho com uma solidez inimaginável no momento da sua criação.
Nessa altura, o Verão do ano passado, Jerónimo de Sousa e o PCP estavam preocupados com a negociação do Orçamento do Estado para 2019 - o último da legislatura. Agora, estão mais preocupados com a campanha eleitoral (para as europeias de Maio e para as legislativas de Outubro). O que interessa é puxar os galões por tudo o que significa mais rendimento para as famílias e que pode render votos: “a redução do preço dos passes sociais; a eliminação do Pagamento Especial por Conta para micro, pequenos e médios empresários; o aumento extraordinário das pensões de reforma e a majoração dos abonos de família; a redução do IRS decorrente do alargamento do número de escalões e de redução das taxas; o novo impulso na valorização remuneratória na Administração Pública, em Maio”. E não atacar os parceiros dessa solução inédita.
E é carinhosa a forma como os comunistas lembram também o seu contributo para o crescimento da economia: “Na verdade, o crescimento médio anual do PIB, que nos últimos três anos foi de 2,3% ao ano – contrastando com o crescimento médio anual de apenas 0,5% entre 2013 e 2015 –, teve na procura interna, e em especial no consumo privado, associado ao rendimento disponível das famílias, elemento determinante”.
Se há dúvidas sobre se o PCP tentará reeditar a “geringonça” depois as eleições de Outubro, o órgão máximo do partido entre congressos aponta o caminho: “aos trabalhadores e ao povo está colocada a opção de escolher avançar e não de andar para trás”. O que é o mesmo de dizer que pequeninos passos em frente são sempre melhores do que deixarmos que alguém nos empurre para atrás.
Mas, atenção, não são só estas as novidades que o último comité central traz. Recupera também uma expressão que há muito o PCP não empregava desta forma: há em Portugal uma real ameaça de “soluções de carácter populista e fascizante”. Sim, vale a pena ler os longos comunicados da Soeiro Pereira Gomes. E não, o PCP não é um partido adormecido ou completamente parado no tempo.