Nomeações no país dos primos

Nas suas múltiplas esferas, Portugal é uma aldeia de pequenas elites de difícil acesso. Este não é um problema meramente político ou exclusivamente público. É estrutural.

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Nuno Ferreira Santos

Num país de primos e de “jeitinhos”, a única coisa que surpreende, nesta história das nomeações de familiares para o governo, é que alguém se surpreenda com as notícias que têm vindo a público. O problema — o PÚBLICO recordou-o — é estrutural e não se restringe nem ao actual governo socialista, nem ao poder central.

Não será alheio à polémica, entretanto criada, o calendário eleitoral do ano em curso e talvez até se esteja a chegar ao exagero escrutinador em que estas vagas muitas vezes caem, mas nada disso diminui o essencial da discussão que, legítima, deve ser feita. 

Tudo isto seria escusado se Portugal premiasse o mérito. Optimista, dou de barato que as coisas estejam a mudar em algumas áreas, mas continuamos longe da meritocracia que fará de nós um país mais justo.

Sabemos muito pouco sobre as virtudes ou defeitos das pessoas cujos nomes têm vindo a público. É provável que muitas tenham realmente competência e qualificações para ocupar os cargos para os quais foram nomeadas. Acontece que o clima de suspeição existente, que resulta, precisamente, da falta de uma sociedade que privilegie a excelência à ascendência familiar, torna difícil, se não impossível, avaliar cada caso como um caso, sem juízos antecipados.

Nas suas múltiplas esferas, Portugal é uma aldeia de pequenas elites de difícil acesso. Este não é um problema meramente político ou exclusivamente público. Em áreas fundamentais da economia (umbilicalmente ligadas aos aparelhos partidários), os interesses familiares sobrepõem-se a qualquer outra lógica.

Como noutros casos, rapidamente se ouviram vozes exigindo legislação que limite as nomeações para cargos de confiança política. Seria um erro, porém. Desde logo, porque o Direito não é a solução para tudo, muito menos para questões eminentemente éticas. Depois, porque as regras são facilmente subvertidas, como se percebe, por exemplo, pela forma como acontecem e terminam muitos concursos públicos de recrutamento, lançados sob o signo da transparência.

Os partidos são peças fundamentais da democracia representativa. Transformaram-se, contudo, em rampas de acesso ao que de melhor o mercado de trabalho português tem para oferecer. A política enquanto carreira e o partido enquanto agência de recrutamento são duas dimensões de um mesmo problema, à vista de todos, há demasiado tempo à espera de uma reforma, a tempo de se evitar uma ruptura.

Falta-me a capacidade para compreender o que levará um qualquer protagonista político a achar que, em 2019, conseguirá continuar a alimentar as redes clientelares de que faz parte sem que, mais cedo ou mais tarde (e mais cedo que tarde) isso se venha a descobrir.

A falta de elevadores sociais, ou a ideia de que, a partir de um “determinado andar”, é impossível continuar a subir sem ser, ter casado ou feito amizade com a família certa é um daqueles favores que o sistema faz ao populismo, na luta moral que este afirma estabelecer entre o povo (nós) e a oligarquia (eles). Num contexto de impaciência e intolerância, como aquele que vivemos, em que rapidamente discordâncias se transformam em disputas, quando os insultos substituem os argumentos, devemos saber interpretar os sinais.

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