Portugal tem sido a excepção ao escolher tantos ministros independentes

Ao contrário da prática noutros países europeus, estudo mostra que a democracia portuguesa tem sido pródiga a recrutar “especialistas” sem qualquer experiência política ou partidária para ministros. As áreas preferenciais são o comércio e indústria, economia e finanças, educação e ensino superior, e administração pública.

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Costa tem 38,9% de outsiders no seu executivo,Costa tem 38,9% de outsiders no seu executivo Nuno Ferreira Santos,Nuno Ferreira Santos
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Governos portugueses têm mais independentes rui gaudencio

Questões familiares à parte, apesar de ter representado uma alteração nas regras para formar Governo – com apoio parlamentar à esquerda -, o actual executivo socialista não representou qualquer mudança de fundo na filosofia de recrutamento dos seus ministros em relação a governos anteriores. António Costa foi buscar uma fatia de peso dos seus ministros fora da vida política e partidária, tal como tem acontecido desde os anos 70, o que faz de Portugal uma excepção na Europa.

Mais: em parte, Jerónimo de Sousa tem razão quando repete que se trata de um Governo do PS e não de esquerda, já que não se encontram nele ministros com vínculo partidário ligados ao Bloco, ao PCP ou ao PEV nem sequer ligações ideológicas. Não há governantes independentes no actual executivo com ideias políticas próximas dos comunistas ou dos bloquistas.

Quem traça este retrato é o politólogo António Costa Pinto, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, a partir dos dados de um estudo que já leva alguns anos e que analisa os perfis dos ministros especialistas e não-partidários na democracia portuguesa. O estudo é feito em conjunto com o investigador Pedro Tavares de Almeida, da Universidade Nova de Lisboa e é um work in progress devido às sucessivas remodelações.

A análise dos perfis do Governo de António Costa e da segunda metade de Pedro Passos Coelho está a ser feita, e os resultados não estão ainda consolidados com os restantes, que abarcam o período 1974-2012. Quem está a coligir os dados são outros dois investigadores do ICS, André Paris e Marcelo Carmelo, ambos ligados a um projecto internacional denominado South European Governments Project.

Mas, mesmo olhando os dados de uma forma genérica, na composição actual do Governo, dos 18 ministros, onze são ligados ao PS e sete podem ser considerados independentes. No total, com todas as remodelações desde 2015, já chegam a 28 as pessoas com cargos ministeriais: 17 do PS, onze independentes, o que corresponde, neste último caso, a uma quota de 38,9%.

“A democracia portuguesa caracteriza-se por, sucessivamente, ter estruturado o modo de recrutamento ministerial através de um grande número de ministros independentes”, diz Costa Pinto, acrescentando que isso “contraria a tendência normal um pouco por toda a Europa”, onde normalmente quem chega a ministro já foi deputado, dirigente partidário ou membro da administração local ou regional. Essa é a norma, por exemplo, na Suécia, Inglaterra, França ou Noruega, descreve o politólogo.

António Costa Pinto coordenou um outro estudo comparado sobre vários países europeus, cujas estatísticas apontam para uma presença média de cerca de 5% de ministros não-políticos nos governos de Inglaterra, 18,6% em Itália (entre 1948 e 2014), 16,3% em França (1958/2014), ou 24,7% na Suécia (1945-2014). Isto significa que Portugal se afasta da tendência das velhas democracias, para estar mais próximo da forma de funcionar das novas democracias, sobretudo a Leste.

Nas democracias de Leste encontramos médias mais altas de representatividade de ministros não políticos: República Checa 41,3% (1993/2009), Estónia 39,1% (1991/2009), Hungria 44,2% (1990/2014), Letónia 31,8% (1991/2009), Lituânia 51,9% (1991/2009), Polónia 40,2% (1991/2014), Eslováquia 41% (1991/2009).

Porém, em Portugal, desde 1976, todos os Governos, sejam os de partido único ou de coligação – até mesmo os de iniciativa presidencial – tiveram sempre uma quota relativamente elevada de ministros outsiders à política. Houve mesmo casos em que mais de metade dos ministros que passaram por um executivo nunca tinham tido qualquer experiência de cargos políticos ou partidários. Além dos Governos de Mota Pinto, Nobre da Costa e Pintassilgo – qualquer deles com 15 ministros e cuja taxa de outsiders foi entre os 73,3% do último e os 100% do primeiro – só José Sócrates recrutou mais especialistas do que políticos nos seus dois Governos (52,4% e 56,3%).

Mas mesmo nos restantes executivos desde o primeiro de Cavaco Silva (1985), os outsiders representam sempre um terço do total dos ministros e isso é suficiente para dizer que Portugal tem tido menos políticos de carreira do que outros países europeus. Pedro Passos Coelho, até final de 2012 (antes ainda da remodelação do “irrevogável"), estava também com uma quota de 36,4% de independentes no seu executivo, mas chegou a Outubro de 2015 com uma média da legislatura mais baixa – apenas cinco do total de 22 nomes que passaram por pastas ministeriais eram outsiders.

O cenário que então se estava a desenhar à esquerda terá sido fulcral para o então líder do PSD não arriscar nos convites para o Governo em Outubro de 2015, e o seu executivo que durou um mês tinha apenas três independentes entre 17 ministros.

Além desse padrão de recrutar mais de um terço dos ministros na sociedade civil, entre pessoas independentes não filiadas em qualquer partido, houve casos pontuais em que os Governos foram buscar o mesmo especialista mais do que uma vez. Como Nuno Severiano Teixeira: nunca tivera cargos políticos antes de ser chamado para ministro da Administração Interna de Guterres (2000/2002), voltou à vida académica, e foi novamente ministro, então da Defesa de Sócrates (2005/2009), nunca se filiando.

A par com uma quota significativa de independentes, há ministros com carreira partidária e política que atravessaram os vários patamares de cargos, e depois há um núcleo duro de confiança do primeiro-ministro que partilha um passado de poder, como são os casos de Augusto Santos Silva (Negócios Estrangeiros) e Vieira da Silva (Trabalho e Segurança Social). Ou seja, mesmo com um peso grande de ministros independentes experts nos Governos, estes terão sempre um núcleo duro de verdadeiros políticos assegurado pelos partidos.

Os especialistas dos think tanks

Voltemos ao Governo de Costa e aos seus ministros independentes. O líder do PS reuniu à sua volta, antes de chegar ao poder, especialistas de várias áreas como as finanças, economia ou educação, que, em grupos de reflexão, ajudaram a elaborar as bases para os programas eleitoral e do Governo, então chamadas de Agenda para a Década. Costa apenas seguiu a tendência de outros líderes, tanto do PS ou como do PSD de reunirem uma espécie de think tanks para delinear políticas para o médio e longo prazo – como as plataformas Mais Sociedade e Construir Ideias, de Passos Coelho; as Novas Fronteiras, de José Sócrates; os Estados Gerais, de António Guterres.

“Ao longo das últimas décadas, PS e PSD foram criando bolsas de independentes mais ou menos próximos dos partidos, que são quadros altamente qualificados, muitos professores, doutorados e investigadores, boa parte até com carreiras internacionais, que depois chamam para o Governo quando ganham as eleições”, lembra António Costa Pinto. Dos 28 ministros socialistas, só um não tem formação superior (João Soares), 12 são licenciados, outros tantos são doutorados e três têm o grau de mestre.

No caso do actual Governo, são desse perfil de especialistas com carreira de realce os independentes Mário Centeno, ministro das Finanças, e o ex-ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral (este, porém, já tinha sido assessor de ministros da Economia e das Finanças de Sócrates). Ou ainda Tiago Brandão Rodrigues, ministro da Educação.

Há outros ministros que se mantêm como independentes apesar de terem uma ligação informal ao PS. São os casos de Pedro Siza Vieira (ex-militante PS), actual ministro da Economia; de João Gomes Cravinho, ministro da Defesa (fora secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros de Sócrates); ou de Manuel Heitor, ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (que foi secretário de Estado da mesma pasta nos dois Governos de Sócrates).

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