“Brexit”: May diz aos deputados conservadores que deixa o cargo antes da próxima fase de negociações

Primeira-ministra britânica promete afastar-se em troca de apoio dos deputados conservadores ao seu acordo de saída. A votação tem que acontecer até sexta-feira para não se perder a janela do adiamento.

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ALKIS KONSTANTINIDIS/Reuters

A primeira-ministra britânica, Theresa May, prometeu aos deputados conservadores que deixa o cargo antes da segunda fase das negociações da saída do Reino Unido da União Europeia, mas exigiu em troca o seu apoio ao acordo que negociou com Bruxelas para a saída do Reino Unido da União Europeia. 

“Ouvi a disposição do grupo parlamentar do partido. Sei que há desejo de uma nova abordagem – e uma nova liderança – para a segunda fase das negociações do ‘Brexit’. E não vou ser eu a impedi-lo”, disse May, segundo excertos divulgados pelo seu próprio gabinete citados pelo diário The Guardian.

May disse ainda aos deputados que estando disposta a afastar-se para o bem comum do país, gostaria que a mudança de liderança fosse “o mais elegante possível”, segundo a BBC. Fonte de Downing Street sublinhou à emissora britânica BBC que caso o acordo não seja aprovado “a situação muda totalmente de figura”, ou seja, May não poria o cargo à disposição.

Esta hipótese já era posta em cima da mesa no fim-de-semana, quando fontes do partido apontavam para movimentações dentro do Partido Conservador para substituir a primeira-ministra e notavam que nesse caso haveria margem para os deputados conservadores votarem, embora com relutância, a favor do acordo de May caso esta saísse.

E pareceu estar a resultar: Shailesh Vara, um dos deputados do European Research Group (ERG) – uma facção eurocéptica tory – disse que a maioria dos que integram o grupo, incluindo ele próprio, apoiam o “mau acordo” de May porque as alternativas são piores.

Até Boris Johnson, que chegou a comparar o acordo de May com Bruxelas a um “colete suicida”, anunciou que vai agora votar a favor, segundo o Huffington Post.  

Os rumores que saiam de uma reunião ainda a decorrer do ERG é que “cerca de um terço” dos seus integrantes não iria, ainda assim, votar a favor do acordo de May. Este retira o Reino Unido do mercado único europeu e da alçada do Tribunal Europeu, devolvendo a Londres a autoridade para negociar tratados comerciais em nome próprio e para fixar as suas próprias regras em termos da entrada de estrangeiros.

Mas alguns conservadores consideram que diminui o espaço de manobra do Reino Unido ao implicar uma garantia de uma solução para que não haja fronteira visível entre a Irlanda do Norte (Reino Unido) e a República da Irlanda (UE), o chamado backstop. Outros consideram que o acordo deixa o Reino Unido ainda demasiado próximo da União Europeia e preferem uma separação maior.

A mudança de posição de alguns dos conservadores é explicada por ambição (havia atenção sobre Boris Johnson, um dos nomes que deverá disputar a liderança) mas também, nota a BBC, porque o afastamento de May permite outra abordagem na negociação da relação futura com a União Europeia – que não está no acordo de May, mas na declaração política anexa sobre a relação futura, que deixa muito espaço para negociar. Assim, muitos defensores de um corte mais radical com a União Europeia vêem o acordo de May seguido de uma negociação para uma relação mais distante como uma hipótese razoável – ou como um mal menor.

May tem de levar este acordo de novo a votação na Câmara dos Comuns até sexta-feira, o último dia possível para o Reino Unido manter o acesso à extensão do prazo de saída para 22 de Maio, acordada na semana passada com Bruxelas e vigente apenas com um acordo aprovado durante esta semana (o Reino Unido tem ainda de aprovar uma série de legislação que não está pronta). Se não conseguir esta aprovação, a data de saída será 12 de Abril.

Não é claro, no entanto, como é que o acordo poderá ir a votos porque o presidente do parlamento, John Bercow, tem invocado uma regra segundo a qual a mesma proposta não pode ser levada a votação de novo após ter sido rejeitada excepto em caso de alteração significativa. Esta quarta-feira Bercow repetiu o aviso. 

O calendário de saída de May da liderança do Governo – condicional à aprovação do acordo – já está esboçado: a 27 de Maio começaria a corrida para a liderança, mas não terminaria antes de 28 de Junho, para deixar a Theresa May a participação na cimeira do G20 em Osaka – que seria assim a sua última grande reunião internacional. A 10 de Julho estaria então no cargo o novo líder do Partido Conservador.

O líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, reagiu dizendo que em caso de intenção de mudança de chefia do Governo, deviam ser convocadas eleições.

Para aprovar o acordo May precisa, no entanto, de mais do que a totalidade dos deputados conservadores. A primeira-ministra terá dado a entender na reunião com o seu grupo parlamentar que mantém ainda conversações com o Partido Unionista Democrático (DUP) da Irlanda do Norte. No entanto, a líder do partido, Arlene Foster, disse ao final do dia que lamentava “não poder apoiar” o acordo enquanto este representar “uma ameaça à integridade do Reino Unido”. 

Enquanto isso, a Câmara dos Comuns votou oito moções relativas ao “Brexit” sob a forma de votos indicativos, que defendiam modelos diferentes para a saída, desde o “no-deal” até modelos de relação mais estreita com a União Europeia, com a manutenção do Reino Unido no mercado único ou na união aduaneira.

O objectivo foi ver quais as opções com votações mais expressivas (cada deputado podia votar em mais do que uma) e na segunda-feira levar a cabo nova votação.

Depois de aprovarem o adiamento da data de saída de 29 de Março até 12 de Abril, e os deputados rejeitaram todas as oito moções, com a que previa a permanência no mercado único a ser a mais próxima de um empate (264 a favor e 272 contra). 

Mas após o anúncio de Theresa May, o que concentrou as atenções foi a possibilidade de a primeira-ministra conseguir mesmo, apesar dos obstáculos, aprovar o seu acordo na votação que se espera na sexta-feira.

Até o Guardian tinha uma nota explicando que a sua cobertura dos votos indicativos na Câmara dos Comuns não foi tão profunda “como teria sido se não tivesse sido ofuscada pelo anúncio de Theresa May”.

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