E os memes? O que muda nos direitos de autor com a nova directiva
Perguntas e respostas para perceber o que está em causa com a nova directiva dos direitos de autor, aprovada esta terça-feira, e qual é o futuro dos memes, gifs e paródias feitas na União Europeia.
Nos próximos dois anos, vão ser implementadas novas leis de direitos de autor na União Europeia. Esta terça-feira os eurodeputados votaram a favor da directiva que vem actualizar os direitos digitais e que está a ser escrita e reescrita desde 2016 com discussões acesas dentro e fora da Internet. Com o desfecho, somam-se preocupações sobre o futuro da Internet. As redes sociais são inundadas com comentários sobre o “fim dos memes”, o “fim das paródias”, o “fim dos gifs”. São receios partilhados há anos pelos críticos. Mesmo com o Parlamento Europeu a dizer que não há motivo para alarme.
Eis algumas perguntas e respostas que recordam o conteúdo do texto que foi aprovado.
O que acontece agora?
O texto tem de ser transposto para as leis nacionais dos vários Estados-membros, num processo que normalmente demora 24 meses, mas pode demorar mais. A advogada Patrícia Akester, especialista em direitos de autor, explica ao PÚBLICO que o facto de a directiva não ser explícita “cria espaço de manobra” para a adaptar.
A directiva pode acabar com memes e paródias?
Uma das críticas mais levantadas nas redes sociais é a possibilidade de o artigo 17 (antigo artigo 13) – de longe o mais controverso – afectar memes (adaptações humorísticas de vídeos, textos e imagens), gifs, e paródias na tentativa de impedir a difusão de conteúdo pirateado online.
Não é esse o objectivo do artigo. O número 17 da directiva foi criado para obrigar as plataformas de partilha de conteúdo, como o YouTube e o Facebook, a contactar autores e criadores de conteúdo para criar acordos de licenciamento. Assim, os autores passam a receber uma percentagem pelos conteúdos que são disponibilizados (pelos próprios ou outros) nesses sites.
Os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha devem, por conseguinte, obter uma autorização dos titulares de direitos [...] através da celebração de um acordo de concessão de licenças, a fim de comunicar ao público ou de colocar à disposição do público obras ou outro material protegido. [Artigo 17]
Quando as plataformas não conseguem chegar a acordo com os detentores de direitos, devem impedir que o conteúdo circule nos seus serviços. É isto que leva os críticos a recear os filtros automáticos, que poderão bloquear em excesso.
Só que a Comissão Europeia diz que não há motivos para preocupações com memes, porque estes são uma excepção. "Memes e outros conteúdos gerados por usuários para fins de citação, crítica, revisão, caricatura, paródia e pastiche (como gifs ou similares) serão especificamente permitidos”, lê-se no site da Comissão Europeia.
Como é que o artigo 17 protege os memes?
“Até agora, as excepções sobre os direitos de autor eram apenas opcionais e os Estados Membros decidiam, ou não, implementá-las”, escreve a Comissão Europeia.
É algo que a advogada portuguesa Patrícia Akester, confirma: “Com a aprovação, e o artigo 17 [antigo 13] os utilizadores passam a poder praticar de forma legítima actos que antes praticavam de forma ilícita.” Em Portugal, por exemplo, a paródia não é uma excepção. “Grande parte do público acha que a paródia é permitida, mas não é. Se eu fizer uma paródia de alguma obra em Portugal, estou a infringir em obra alheia”, explica. “A directiva vem protegê-los”.
Para acentuar este ponto, vários eurodeputados a favor das novas regras têm celebrado o avançar da directiva ao longo dos últimos meses com memes no Twitter.
Então qual é o problema com o artigo 17 (antigo 13)?
Actualmente, os serviços e plataformas online (como o YouTube) não são responsáveis pelas enormes quantidades de conteúdo que os seus utilizadores publicam. O artigo 17 muda isso.
Caso não seja concedida nenhuma autorização, os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha são responsáveis por atos não autorizados de comunicação ao público [Artigo 17]
Todos os sites e plataformas online têm de respeitar o artigo 17?
Não. A directiva isenta as plataformas mais pequenas que tenham, simultaneamente, uma facturação anual inferior a dez milhões de euros, até cinco milhões de visitantes mensais, e menos de três anos de presença no espaço digital europeu. Ainda assim, quando essas plataformas recebem uma queixa de um detentor de direitos sobre conteúdo presente nas suas plataformas sem autorização, devem agir rapidamente para o remover.
E o resto da directiva?
O artigo 15 (antigo artigo 11) é outro que gera controvérsia. Foi criado para remunerar a imprensa pelos excertos de notícias que são partilhados em agregadores de notícias, como o Google News. Os críticos temem que a directiva dificulte a partilha de links, mesmo com a directiva a detalhar que o artigo 15 “não se aplica a actos de hiperligação”, nem a “excertos muito pequenos”.
Porque é que ninguém concorda com as consequências da directiva?
Contrariamente aos regulamentos, as directivas não são leis vinculativas e têm de ser adaptadas aos sistemas legais dos 28 Estados-membros. É por este motivo que alguns artigos da directiva não são precisos. Por exemplo, o artigo 17 não clarifica o que significam “melhores esforços” para assegurar a indisponibilidade de determinadas obras, e o artigo 15 não define o tamanho exacto de “excertos muito pequenos.”
Há artigos que os críticos aprovam?
Sim. Um exemplo é o artigo oito, que define a utilização por instituições de património cultural de obras que já deixaram de ser comercializadas. “Permite que as bibliotecas disponibilizem conteúdo que já não se encontra à venda, como livros antigos. Além de serem de consulta gratuita, os actuais detentores de direitos também poderiam sair beneficiados”, explicou a eurodeputada Julia Reda, ao PÚBLICO, em Fevereiro.
O YouTube já não filtra conteúdo?
Alguns sites como o Facebook e o YouTube, do Google, têm sistemas de filtração inteligentes para barrar vídeos com conteúdo impróprio (pornografia, incitação ao ódio e ao racismo, imagens violentas) ou pirateado de circularem. Esses sites têm bases de dados com uma espécie de impressão digital de vídeos e músicas com direitos de autor ou conteúdo problemático, a que são comparados todos os novos vídeos colocados na plataforma. Só que se estes vídeos são alterados (por exemplo, ao mudar a velocidade das imagens) é mais difícil serem detectados pelos sistemas automáticos.
O texto aprovado nota, no entanto, que a responsabilidade deixa de estar do lado das plataformas online sempre que estas mostrem que “envidaram todos os esforços para obter uma autorização” e demonstraram “os melhores esforços para assegurar a indisponibilidade de determinadas obras”.