Parlamento Europeu quer sanções para quem persegue denunciantes de corrupção
Proposta dos Verdes foi aprovada em Estrasburgo com 472 votos a favor. Relatório lembra revelações do Football Leaks e dos Panama Papers.
O Parlamento Europeu (PE) acaba de aprovar o relatório da comissão de combate aos crimes financeiros, com uma larga maioria dos deputados a defenderem que os governos devem pôr de pé novas medidas para proteger os autores de denúncias de casos de corrupção, actividades criminosas e factos de interesse público. Mas não só: além da protecção jurídica, o Parlamento insta os Estados-membros a implementarem “sanções para os que tentam perseguir os denunciantes”.
A recomendação surgiu pela mão dos Verdes (Aliança Livre Europeia) numa proposta de alteração ao texto do relatório e conseguiu passar no plenário desta terça-feira em Estrasburgo. Contou com 472 votos a favor, 165 contra e 19 abstenções.
É o resultado de um ano de trabalhos da TAX3, uma comissão especial lançada na sequência de outras que deram eco aos escândalos fiscais do Football Leaks, LuxLeaks e Panama Papers.
A proposta original do relatório já continha uma parte relevante sobre a protecção dos chamados “lançadores de alertas” e de jornalistas, ao reconhecer que os cidadãos que denunciam irregularidades e abusos de direito (seja na administração pública, seja nas empresas e outras entidades privadas) desempenham um “papel fundamental no reforço da democracia nas sociedades e na luta contra a corrupção e outros crimes ou actividades ilícitas graves e na protecção dos interesses financeiros” da União Europeia.
Em causa está a ideia de dar protecção jurídica aos whistleblowers — em português, os “lançadores de alerta” ou, como aparece nas traduções oficiais dos documentos do Parlamento, “denunciantes”. A frase dos Verdes é esta: “[O PE] congratula-se com o resultado das negociações interinstitucionais entre o Parlamento Europeu e o Conselho relativas à protecção das pessoas que denunciam violações do direito da União e insta os Estados-Membros a adoptarem, o mais rapidamente possível, as novas normas, a fim de proteger os autores de denúncias através de medidas como canais de denúncia claros, confidencialidade, protecção jurídica e sanções para os que tentam perseguir os denunciantes”.
Como ponto de partida, o PE propõe que se olhe para “boas práticas em todo o mundo”, em especial a legislação dos Estados Unidos, país onde, segundo o Departamento de Justiça, os denunciantes já permitiram detectar boa parte dos valores recuperados pelas autoridades (3400 milhões em 3700 milhões de dólares).
Lembrando que os autores das denúncias “constituem muitas vezes uma fonte essencial para o jornalismo de investigação”, os deputados consideram que esses cidadãos devem “ser protegidos contra todas as formas de assédio e represálias”. Aos governos, exortam que criem “canais de comunicação seguros e confidenciais para os denunciantes nas autoridades e entidades privadas pertinentes”.
Para isso, contam com a experiência dos últimos anos a estudar o combate aos crimes fiscais; ainda recentemente a comissão especial TAX3 apercebeu-se de que o denunciante do caso de lavagem de dinheiro através do Danske Bank (Dinamarca) na Estónia não pôde partilhar livremente as suas informações devido a restrições legais. Um caso que, para os eurodeputados, reforça a percepção de que a protecção de denunciantes nos bancos não é plenamente satisfatória e de que, persistindo o receio de represálias, os funcionários ficam compelidos a fornecer informações quando há violações legais.
Há muito que o Parlamento se debruça sobre o tema, com a chamada “Directiva Denunciantes”. É um trabalho contínuo. Ainda a 11 de Março os negociadores do PE e do Conselho Europeu chegaram a acordo sobre a primeira directiva europeia sobre a protecção dos denunciantes, que deverá ser votada em Estrasburgo em Abril, cabendo depois aos governos verterem as regras para a legislação nacional.
Um fundo europeu
O mesmo relatório defende que a própria União Europeia crie um fundo para “prestar um apoio financeiro adequado” aos autores das denúncias “cujos meios de subsistência” sejam postos em risco ao revelarem “actividades criminosas ou de factos que são claramente de interesse público”.
O documento tem uma parte centrada na importância dos denunciantes para o exercício do jornalismo, defendendo ser necessário proteger a confidencialidade das fontes de informação (pedra angular do Estatuto dos Jornalistas português “na medida do exigível em cada situação”, excepto quando as fontes “os tentarem usar para obter benefícios ilegítimos ou para veicular informações falsas”).
Quando os lançadores de alerta são essa fonte, defendem, “o dever de confidencialidade só deve ser derrogado em circunstâncias excepcionais, em que a divulgação de informações relativas a dados pessoais do autor de uma denúncia seja uma obrigação necessária e proporcionada, imposta pelo direito da União ou pelo direito nacional no contexto de inquéritos ou de processos judiciais, ou para salvaguardar as liberdades de outrem, incluindo o direito de defesa da pessoa visada, e sempre sob reserva das garantias adequadas consagradas nas referidas legislações”.
A votação dos eurodeputados portugueses
Como não foi pedida a votação uninominal da emenda dos Verdes, os documentos técnicos do Parlamento Europeu não permitem ver como é que cada eurodeputado votou especificamente essa proposta de alteração.
Na sua globalidade, o relatório foi aprovado com 505 votos a favor, contando com 63 contra e 87 abstenções. Aqui já é possível saber como é que votaram os eurodeputados portugueses.
A favor do relatório estiveram todos os deputados do PS presentes (Francisco Assis, Ana Gomes, Liliana Rodrigues, Manuel dos Santos, Ricardo Serrão Santos, Pedro Silva Pereira e Carlos Zorrinho), quatro membros do PSD (Carlos Coelho, José Manuel Fernandes, Paulo Rangel e Sofia Ribeiro), Marisa Matias (BE), António Marinho e Pinto (Partido Democrático Republicano) e José Inácio Faria (Partido da Terra). Contra estiveram os deputados do PCP (João Ferreira, João Pimenta Lopes e Miguel Viegas).
Abstiveram-se Nuno Melo (CDS) e Cláudia Monteiro de Aguiar (a deputada madeirense foi a única do PSD a abster-se, isolada dos restantes parceiros nacionais de bancada). A socialista Maria João Rodrigues não pôde estar presente na sessão.
O documento é muito vasto e inclui uma referência ao facto de a Comissão Europeia estar a investigar a aplicação dos benefícios fiscais (redução de IRC) a empresas instaladas na zona Franca da Madeira durante o chamado regime III, processo no qual Bruxelas considerou, de forma preliminar, que Portugal aplicou as regras de uma forma que constitui um auxílio ilegal.