Acabem com o exame de acesso à Ordem dos Advogados

O que é avaliado neste mal-amado exame não é a aptidão para ser advogado, antes a capacidade de decorar matéria, apanhar as manhas necessárias para a aprovação e a capacidade de engolir os nervos de ter naquele papel o futuro da sua vida. É quase um momento de vida ou morte.

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Thomas Martinsen/Unsplash

Já muito discorri sobre os problemas que os licenciados em Direito enfrentam para aceder à advocacia, mas nunca será demais denunciar as injustiças enquanto elas subsistirem. As dificuldades a que os juristas estão sujeitos só podem ser comparadas à célebre batalha de David contra Golias, com a particularidade de, neste confronto, nem sempre David sair vitorioso.

Aliás, a vitória recai sempre para o mesmo lado, ou seja, o lado onde se encaixa o dinheiro. Já se perfilaram como candidatos a bastonário da Ordem dos Advogados (OA) vários Ilustres advogados, que não concedem nem uma linha para uma proposta que reformule de forma séria o acesso a esta profissão que de tão nobre carácter impossibilita a plebe a acedê-la.

Desta vez, gostaria de focar o problema no exame de acesso, que mais não é do que um funil para apurar as mais finas e puras castas que terão o direito de se intitularem advogados. Desde que iniciamos o percurso escolar que somos sujeitos às mais variadas etapas de avaliação selectiva e exclusiva, desde os exames do 9.º ano aos exames do Ensino Secundário, passando pelos numerus clausus no acesso ao Ensino Superior.

Uma vez ultrapassadas estas etapas e concluindo a faculdade, consideramos estar finalmente aptos para exercer a profissão que ambicionamos e eis que nos deparamos com este percurso final e penoso que culmina com mais um exame. É certo que o estágio de acesso à OA é um instrumento fundamental para a inclusão dos conhecimentos adquiridos nas faculdades de Direito na prática da advocacia, ou seja, direccionar de forma acompanhada os nossos conhecimentos para a vida e a resolução prática dos problemas e desafios que se colocam no exercício da profissão. As intervenções orais e escritas a que estamos adstritos como condição essencial para o acesso à profissão são fundamentais para a orientação prática dos jovens advogados, bem como todo o tempo despendido no escritório sob a orientação de um patrono. Aliás, é nesta vivencia diária da própria profissão que se vão adquirindo as ferramentas necessárias para a consequente prática da mesma.

Não obstante, o estágio de acesso à AO de nada serve se não for obtida nota positiva no exame que finaliza todo este percurso e, não nos enganemos, um bom estágio e o respectivo estudo não é pressuposto de sucesso neste método de avaliação arcaico. O que é avaliado neste mal-amado exame não é a aptidão para ser advogado, antes a capacidade de decorar matéria, apanhar as manhas necessárias para a aprovação e a capacidade de engolir os nervos de ter naquele papel o futuro da sua vida. É quase um momento de vida ou morte.

Ou passamos no exame ou voltamos à casa de partida, onde teremos de voltar a deixar dinheiro àquele que é o dono do tabuleiro deste jogo e seguir em diante sob alçada deste e com as regras deste. É um jogo viciado.

Todos os advogados estagiários sentem na pele a injustiça a que todos os dias estão sujeitos, todas aquelas que já aqui falei, e outras que ainda terei a oportunidade de dizer.

O mais irónico é que muitos dos ilustres advogados que hoje defendem este sistema caduco não tiveram de passar por estas etapas para estarem onde estão, nem estiveram sujeitos à alçada de uma ordem profissional que, por vezes, parece existir para constranger a actividade e fluidez da profissão. A democratização da advocacia ainda é uma realidade distante, mas não tanto que não a possamos agarrar e impor nos nossos dias.

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