O nosso carbono diário

Avaliar o impacto da vida quotidiana neste circuito é uma tarefa árdua, mas potencialmente útil, se queremos saber a pegada que o nosso consumo diário tem no equilíbrio da Terra.

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LUSA/PHILIPP GUELLAND

As atividades humanas do dia-a-dia têm impactes significativos no planeta: o consumo de recursos virgens para as nossas roupas ou gadgets, os processos de transformação usados para nos alimentarmos ou aquecermos, o transporte de alimentos ou têxteis, muitas vezes de locais longínquos, e o destino final do que descartamos — tudo vem e retorna aos ciclos naturais que governam o planeta.

Avaliar o impacto da vida quotidiana neste circuito é uma tarefa árdua, mas potencialmente útil, se queremos saber a pegada que o nosso consumo diário tem no equilíbrio da Terra. Em última instância, todo o sistema económico existe para a satisfação dos consumidores, pelo que a escolha do que consumimos todos os dias é determinante para a transformação dos sistemas de produção e abastecimento para modos mais sustentáveis. Uma das medidas propostas pelo Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC) em 2014 foi a adoção de uma perspetiva baseada no consumo, já que 60% a 70% das emissões globais de gases com efeito de estufa (GEE) estarão relacionadas com o consumo final das famílias.

A pegada de carbono traduz as emissões de GEE resultantes de cada estádio de vida útil de um produto ou serviço (produção, fabrico, transporte, uso efetivo e fim de vida) e, portanto, a sua responsabilidade no aquecimento global. A pegada pode variar de indivíduo para indivíduo, já que cada pessoa tem um determinado tipo de alimentação, uma forma de cozinhar, utiliza diferentes transportes e usa distintos equipamentos consumidores de energia. A pegada carbónica pode aumentar de acordo com o rendimento das famílias, sendo a alimentação e a mobilidade as componentes potencialmente mais significativas e, por isso, mais interessantes para optar por outras escolhas.

A pegada carbónica é uma ferramenta que pode orientar escolhas mais sustentáveis de consumo. Se o objetivo parece simples, a realidade é muito mais complexa. Cada produto tem diferentes características de produção, de durabilidade, de uso e de destino final. O mix energético — mais ou menos renováveis, carvão ou gás natural — determina o peso de emissões na produção da eletricidade. As emissões associadas ao transporte de cada produto dependem das múltiplas formas de transporte, mais ou menos eficientes, enquanto as que derivam da nossa mobilidade variam muito com o modo de transporte, a forma de energia, a ocupação do veículo e até a forma de condução. Acresce que, em bom rigor, deve considerar-se a perspetiva de ciclo de vida do automóvel e não apenas o seu uso, bem como as emissões associadas à construção e manutenção das infraestruturas necessárias.

Se a metodologia para a contabilização da pegada carbónica do nosso consumo diário tem uma complexidade razoável, a situação não fica mais fácil na fase de recolha e seleção dos dados para a calcular. Os atuais sistemas de informação de produtos não estão preparados para este requisito, nomeadamente não referem a origem dos produtos ou o seu modo de transporte. Está por fazer a revolução digital da informação ambiental sobre os produtos de consumo que permitiria perceber a sua história, desde a origem até chegar às nossas mãos.

Os cálculos da pegada carbónica devem assim ser interpretados com cuidado e precaução, devendo ser lidos de forma indicativa, sabendo-se que há um grande conjunto de pressupostos na produção do valor final. Mesmo assumindo que são aproximações da realidade, a pegada carbónica traduz as diferentes opções de consumo, como se mostra neste exercício da jornalista Lurdes Ferreira.

Um olhar pelos diferentes valores da pegada carbónica permite uma perceção mais consciente sobre o nosso impacto no dia-a-dia, seja na mobilidade, no conforto, ou na alimentação. A urgência da transformação dos sistemas de produção e consumo requer que cada cidadão procure as opções mais sustentáveis, adequadas às suas necessidades. É por isso também urgente uma nova geração de ferramentas de informação e comunicação com os consumidores.

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