Na Capital Europeia da Cultura do futuro, as pessoas importam mais que a programação

Portugal voltará a ter uma capital da cultura em 2027 e há já várias cidades na corrida para recebê-la.

Foto
Espectáculo de encerramento da Capital Europeia da Cultura em Guimarães, 2012 rui farinha/ARQUIVO

“A participação dos cidadãos passou a ser mais valorizada e é absolutamente fundamental” nos critérios de avaliação, introduz Jean-François Chougnet, que esteve à frente do projecto Marselha-Provença, Capital Europeia da Cultura em 2013, depois de ter passado pela direcção do Museu Berardo, entre 2007 e 2011.

O conceito de Capital Europeia da Cultura​ evoluiu desde a primeira edição de 1985, em Atenas, explica, passando por uma fase de “clandestinidade, de mega-festival e, depois, para uma opção mais híbrida”, que conjuga a cultura com urbanismo e com o aspecto social. É nesta última fase em que estamos, explica Chougnet, que actualmente dirige o Museu das Civilizações da Europa e do Mediterrâneo (MuCEM), estrutura implantada numa antiga zona portuária de Marselha cuja requalificação é uma herança da Capital Europeia da Cultura​ de 2013, num processo semelhante ao que a Expo 98 fez ao Parque das Nações. Nas últimas indicações do júri que escolhe os projectos de Capital Europeia da Cultura​, “há um papel fulcral dessa lógica, da participação dos habitantes, mais do que a programação cultural em si”, acrescenta.

O responsável falou com o PÚBLICO à margem da conferência FOR1C, organizada pelo Grupo de Trabalho Coimbra 2027, uma das cidades que quer acolher a Capital Europeia da Cultura na próxima década. Depois de Lisboa em 1994, Porto em 2001 e Guimarães em 2012, uma cidade portuguesa voltará a ser Capital Europeia da Cultura em 2027, ano em que uma cidade letã também receberá esse título.

O encontro que decorreu no sábado, no Convento São Francisco, em Coimbra, tinha como mote “Uma Capital Europeia da Cultura no século XXI” e, na informação disponibilizada aos jornalistas, a organização referia que foram igualmente convidadas as equipas responsáveis pelas candidaturas das cidades que já anunciaram a entrada na corrida, como Aveiro, Braga, Évora, Faro, Guarda, Leiria, Oeiras e Ponta Delgada, para se juntarem ao debate. No entanto, a organização da iniciativa não foi puramente altruísta, com o folheto informativo a abrir com a declaração de interesses: “Coimbra quer ser Capital Europeia da Cultura em 2027.” Nos cinco painéis ao longo do dia, os oradores procuraram fazer uma análise das potencialidades e fragilidades de uma eventual candidatura, referindo-se por diversas vezes a Coimbra, aos projectos artísticos já activos na cidade e ao seu património material e imaterial.

Foto
Coimbra é uma das cidades na corrida para albergar o evento de 2027 PAULO PIMENTA

Proximidade aos cidadãos

O director artístico de Bruxelas 2000, Hugo de Greef, também esteve em Coimbra para a conferência e assinalou igualmente a “proximidade aos cidadãos” como uma das características principais que uma iniciativa do género deve ter. O programador artístico que esteve envolvido no projecto de Bruges, quando a cidade belga foi Capital Europeia da Cultura​, em 2002, afirma ao PÚBLICO que as capitais europeias são oportunidades para que “os cidadãos sejam parte de um projecto de cultura no contexto europeu”.

De Greef deixa um aviso sobre a corrida ao título de Capital Europeia da Cultura: é importante que a cidade “perceba o valor da energia e das dinâmicas” culturais criadas no processo de candidatura e que estas características não se percam se o projecto não for seleccionado.

Chougnet identifica outras questões problemáticas nas candidaturas. “Toda a gente tem consultores e sabe viajar”, refere, acrescentando que uma fórmula potencialmente vencedora sabe que tem de referir que “é bom trabalhar com os subúrbios, que vai haver uma festa de abertura e um blockbuster no Verão para atrair os turistas”. Daí que possa haver uma “perda de originalidade nesse processo” e que a questão mais complexa seja “conseguir ter uma narrativa”. Uma Capital Europeia da Cultura não deve ser “um festival cultural”, sublinha, mas um evento que conjugue as dimensões culturais, sociais e geopolíticas.

Sugerir correcção
Comentar