Adolfo Mesquita Nunes vai para a Galp
Quando uma empresa de energia contrata um político sem currículo na área da energia, é porque quer que ele faça política.
Este não é um texto indignado. É apenas um texto desiludido. Não há qualquer ilegitimidade no convite da Galp para Adolfo Mesquita Nunes integrar a sua administração não-executiva. E não há qualquer ilegitimidade na aceitação desse convite por parte de Adolfo Mesquita Nunes. Tenho apenas pena que o convite tenha sido feito – e muito mais pena que ele tivesse sido aceite.
Eu acompanho a política portuguesa há já bastante tempo, e devo dizer que a inteligência, a postura intelectualmente séria, os bons modos e os bons princípios liberais de Adolfo Mesquita Nunes sempre foram para mim uma referência. Ele era dos poucos políticos portugueses da minha geração pelo qual nutria genuína admiração. No campo executivo, foi um secretário de Estado do Turismo com méritos reconhecidos por toda a gente. No campo pessoal, ao assumir publicamente a sua homossexualidade, fez com que o meu respeito pela sua coragem e pela sua postura liberal, também em matérias de costumes (e não só em matérias de economia, como é habitual nos partidos à direita), crescesse ainda mais. De entre as figuras do CDS que intervêm no espaço público, apenas António Lobo Xavier me desperta idêntico interesse.
Claro está que Adolfo Mesquita Nunes não fica menos inteligente, nem menos educado, por aceitar integrar a administração da Galp. Mas desconhecendo-se qualquer currículo seu na área da energia, dizer “sim” a um convite desses significa demasiadas coisas, e nenhuma delas boa. Note-se que nada me move contra a Galp, uma empresa competente, muito importante para o país, e que – justiça lhe seja feita – nos últimos anos tem andado longe das bocas do mundo, ao contrário de quase todas as outras empresas do regime. Mas quando uma empresa de energia contrata um político sem currículo na área da energia, é porque quer que ele faça política. Adolfo Mesquita Nunes dirá, em sua defesa, que não está na “política activa”. Não é verdade. É vereador na Covilhã, comentador político em variadíssimos fóruns, colaborador muito próximo de Assunção Cristas e – qualquer pessoa o diria até surgir este convite – um dos mais que prováveis futuros líderes do CDS.
A partir do momento que alguém, com este perfil, aceita o cargo de administrador não-executivo da Galp, passa a fazer parte de um dos grupos mais perniciosos do regime português: o dos ex-políticos transformados em lobistas ao serviço de interesse privados, aproveitando (e alimentando) o terrível sistema de portas giratórias entre a política e os negócios que há décadas impede Portugal de ser um país mais justo, exigente e meritocrático.
Que Adolfo Mesquita Nunes o faça, ainda para mais numa altura em que o secretário de Estado de Energia é um amigo seu (não cometo nenhuma inconfidência: a amizade entre Mesquita Nunes e João Galamba é pública), apenas demonstra o quão fácil é para uma empresa poderosa e endinheirada afastar da política os valores mais promissores que Portugal tem para oferecer, e que poderiam, no futuro, ajudar a mudar o rumo do país para uma direcção um pouco mais favorável.
É possível que eu esteja a ser ingénuo – acontece-me bastante –, mas pensava que o Portugal com que Adolfo Mesquita Nunes sonhava, pelo qual lutou no Parlamento e pelo qual continua a lutar nos debates televisivos, era um Portugal diferente, no qual um político como Mesquita Nunes jamais seria contratado para administrador de uma empresa estruturante do regime, como é o caso da Galp. Pelos vistos, enganei-me.