Aplicar o protocolo para evitar o “ruído"

Tendo por base o penálti assinalado ao minuto 90, no jogo Boavista-Sporting, pela eventual infracção cometida por Edu Machado sobre Raphinha, venho hoje analisar o lance sob duas perspectivas: o ser ou não penálti e a actuação do videoárbitro (VAR).

Em relação à decisão final, o ter sido assinalado penálti, eu não concordo, ou seja, para mim não houve motivo para que essa “penalidade máxima” tivesse sido assinalada. Factualmente temos que, no movimento de rotação do seu corpo, Edu Machado, com o braço esquerdo aberto, acaba por entrar em contacto, acertando, na face de Raphinha, e também de forma factual é certo que o jogador leonino, ao sentir esse toque, cai no chão, não continuando o lance.

Com base nesse contacto que existiu, é legítimo que o árbitro, bem posicionado no momento e numa fracção de segundo, tenha interpretado como suficiente o contacto para que o jogador do Sporting, ao ser tocado, tenha ficado impossibilitado de prosseguir o lance, ou seja, a tal questão da intensidade, que acaba por ser a razão na qual normalmente todos nós baseamos a análise para sancionar ou não uma infracção.

Em termos de lei, nas 12 infracções passíveis de livre directo, que quando cometidas no interior da área, por parte da equipa defensora, são penalizadas com pontapé de penálti (lei 12, Faltas e Incorrecções), o possível enquadramento para este lance estaria no “impedir o movimento de um adversário com contacto”. Mas, tal como foi reforçado pelo Conselho de Arbitragem (CA) no início da época, é preciso que, para além de se verificar que um jogador empurra, ou agarra, ou carrega um adversário, é necessário que essa acção (causa) tenha uma consequência, ou seja, para além desse gesto, movimento ou acto, é necessário que a consequência, seja , por exemplo, que um jogador perca a bola, ou não a consiga jogar, ou se desequilibre e caia.

No fundo, impõe-se que haja um acto e que desse acto resulte uma consequência real, para quem sofre esse toque ou contacto. Essa acção tem de ser suficiente para que algo aconteça e não pode ser apenas o jogador que a sofre a aproveitar-se desse contacto para daí tentar tirar partido da situação. Em linguagem mais banal e comum, neste caso concreto que estamos a analisar, é preciso que o braço aberto e o contacto tenham tido a intensidade suficiente para que Raphinha tenha caído e ficado impossibilitado de jogar a bola.

Ora, na minha opinião, tal não aconteceu. Mais ainda, é sugerido aos árbitros que, ao analisarem as intensidades e as consequências, o façam olhando para o lance corrido e em tempo real, pois só assim dá para perceber se há falta ou aproveitamento - e em movimento normal fica a clara sensação de que o contacto que existiu não foi suficiente para que daí tenha sido assinalado o penálti.

No que diz respeito ao VAR, começo por dizer que a sua intervenção seria sempre a de validar a decisão inicial do árbitro fosse ela qual fosse, ou seja, assinalando ou não assinalando. E digo isto porque, de acordo com o protocolo, página 135 das leis de jogo, “a decisão inicial do árbitro não pode ser alterada a menos que a revisão vídeo mostre que a mesma foi um claro e óbvio erro”. Ou seja, sendo um lance em que a interpretação é sempre baseada na intensidade, na causa/consequência, e tendo sido factual o contacto do braço aberto no rosto, não estamos perante um erro grosseiro e escandaloso, razão pela qual nestes casos “fronteira” e de interpretação, o VAR (de acordo com o protocolo) raramente vai intervir, no sentido de “contrariar” a decisão inicial.

Mas é aqui que começa o problema perante o “mundo do futebol”. Ninguém entende que, com a possibilidade que esta tecnologia nos dá, não haja por parte da equipa de arbitragem uma outra forma de agir. Mesmo que a decisão final se mantenha, na prática queremos todos que, nestes lances de dúvida, mas com grande potencial, não fique a actuação limitada à “checkagem” feita pelo VAR, mas que seja o próprio árbitro a ir ao monitor ver as repetições e tomar ele mesmo a decisão final. Assim, mesmo que discordemos da mesma, ficamos todos com a sensação de que o VAR cumpriu a sua função.

Como mudar isto, que sistematicamente acontece nos nossos estádios? Uma das possibilidades era mudar a frase do protocolo e o próprio conceito, transformando a intervenção do VAR nas situações de Erro Claro e Óbvio em qualquer coisa como “sempre que o árbitro tivesse uma decisão correcta, clara e óbvia, o VAR não intervinha”. E assim teríamos como leitura subsequente que nos “golos” e nas situações de “penálti”, sempre que o lance levantasse dúvidas ou tivesse alguma acção de potencial irregularidade, o VAR teria que chamar o árbitro ao monitor para ver as imagens e ele próprio decidir.

Outra forma de dar a volta a esta situação, nomeadamente neste lance que estamos a analisar, que foi decisivo no jogo e que ocorreu mesmo ao terminar a partida, é os árbitros, eles próprios, perante estas circunstâncias, pedirem ao VAR as imagens e irem verificar as mesmas. E depois decidirem se mantêm ou alteram a sua decisão. Tal é possível e deveria ser feito, bastando para isso que se ponha em prática o que está escrito no protocolo, na página 140 das leis de jogo e que neste caso teria sido a chave para se sair desta situação sem tanto “ruído”. Passo a citar: “Para decisões factuais (…), a revisão apenas pelo VAR é normalmente apropriada mas uma (on field review) poderá ser efectuada para uma decisão factual se isso ajudar a gestão dos jogadores/jogo ou a vender a decisão”. Neste caso e neste jogo, isto teria sido muito importante se tivesse sido aplicado.

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