José Sarmento Matos “adora a luz de Londres”. “Quando está sol — e são poucas vezes — a luz torna-se dramática. É o meu tipo de luz.” Nem todos têm a capacidade de vê-la, diz, ao telefone com o P3 a partir do Espaço Cultural Mercês, em Lisboa, perto da hora da abertura da exposição homónima do projecto Documenting East London, que pode ser visitada até 19 de Março. “Para quem sempre viveu em Londres, esta luz tornou-se invisível.” É ela o elemento de coesão entre todas as fotografias da série que desenvolveu ao longo de seis anos e a que pretende dar continuidade — e um dia, quiçá, publicar em formato de fotolivro.
A chegada de Sarmento Matos à capital inglesa, em 2013, marcou o início de um novo capítulo da sua vida. Foi na zona leste da cidade que encontrou morada, uma extensão do território londrino que hoje descreve, em português e inglês, como “jovem, trendy”, mas que, relembra, foi outrora “dodgy” e “tough”. Uma área carismática e multicultural. Entre o momento da sua chegada e o presente ano, o fotógrafo português foi registando, a um ritmo quase diário, o quotidiano de East London, na esperança de capturar a sua diversidade e especificidade. “A série nasceu da necessidade de registar os meus percursos diários”, explicou. “Quis documentar a paisagem urbana e humana desta parte de Londres, que tem vindo a sofrer alterações desde que lá vivo.”
Se a mudança é notória no período de seis anos que Sarmento Matos registou, mais ainda será no de duas décadas. A história recente de East End, o nome por que também é conhecida a região que não tem limites formais definidos, é marcada por um fenómeno cujo nome é conhecido por todos: gentrificação. O ciclo repete-se um pouco por todo o mundo: uma área negligenciada de uma cidade é “colonizada” por artistas e convertida num local apelativo, tornando-se um ponto de atracção de pequenos negócios. As rendas sobem e os moradores originais — aqueles que definiram, inicialmente, a identidade do local — são “expulsos” por incapacidade de resposta económica.
Nos anos 80 e 90, a zona de East London albergava comunidades imigrantes de classes desfavorecidas — sobretudo jamaicanos, turcos e bengaleses — e famílias inglesas de classe operária que eram conhecidas pela sua ideologia de extrema-direita; a este prolixo colectivo juntaram-se grupos de jovens artistas e viciados em tecnologia, dotados de poder de compra e de “cultura de bar”. A situação progrediu. Presentemente, há edifícios de habitação a serem convertidos em hostels e muitos moradores a serem afastados das suas casas. Parte dos jovens já não tem capacidade financeira para permanecer e vê-se forçada a buscar novas paragens. “Muitas dessas pessoas tiveram que se mudar para outras zonas da cidade e apenas algumas ainda conseguem morar à volta de East London.”
Também Sarmento Matos pondera abandonar Londres. Abandonar o Reino Unido. O "Brexit", que garante ter mais impacto a nível psicológico do que prático, é o principal catalisador. “Muita coisa irá mudar, em Londres, quando o ‘Brexit’ se efectivar”, prevê. “Sobretudo a forma como os londrinos encaram a diversidade [cultural]. E há coisas que já estão a mudar, o que é surpreendente, tendo em conta que Londres sempre foi uma cidade cosmopolita e aberta.” O fotógrafo, que é também embaixador da Leica, não planeia regressar a Portugal, embora continue a realizar trabalho em território nacional. Actualmente, está a desenvolver uma série documental sobre a forma como a comunidade portuguesa vive a crise venezuelana. No passado, penetrou nos bastidores dos call centers na Índia e nas Filipinas à boleia da série How Can I Help You?, que conheceu publicação no P3 e no The New York Times, onde se mantém na qualidade de colaborador externo.