Nos 125 anos do São Luiz
Deste sábado a 29 de Novembro, o Teatro São Luiz, em Lisboa, apresenta um programa que comemora os seus 125 anos, ao mesmo tempo que convoca a memória para se pensar no futuro.
Foi no dia do oitavo aniversário do casamento do rei D. Carlos com a rainha D. Amélia (a francesa Amélia de Orleães) que uma “enchente collossal” – assim escreviam os jornais da época, descrevendo ainda os espectadores como “vestindo toilette de gala” – assistiu à inauguração de um novo teatro lisboeta. Baptizado em honra da rainha, o Theatro D. Amélia abria as portas a 22 de Maio de 1894, passando a Teatro República em 1910 e fixando-se – embora com algumas intermitências – como Teatro São Luiz em 1928. As honras na noite de inauguração, com a presença do casal real, caberiam à opereta de Jacques Offenbach A Filha do Tambor-Mor.
É esse mesmo espectáculo que o Teatro São Luiz recuperará enquanto um dos momentos nucleares do seu programa de comemoração dos 125 anos da casa. “Uma pequena temporada dentro da temporada”, chamou Aida Tavares, directora do São Luiz, a este conjunto de espectáculos que arranca a 9 de Março e se estende até 29 de Novembro, de acordo com um mote genérico que obedece às ideias de “memória e futuro”. E caberá à nova versão de A Filha do Tambor-Mor, com direcção musical do maestro Cesário Costa, encenação de António Pires e cenografia da companhia A Tarumba, um dos momentos mais simbólicos dos festejos. Neste caso, integrando um corpo participativo e alunos de várias escolas de música, teatro e dança.
É a ponta do icebergue de uma programação em que cada proposta se relaciona com os 125 anos de História do São Luiz. Desde logo, a partir de Espectáculo Guiado, concebido por André Murraças, numa recuperação de evidentes marcos da sala, e que tanto recupera a actuação de José Cid no primeiro Festival RTP da Canção a cores (‘addio, adieu, auf wiedersehen, goodbye’ há-de ecoar a partir deste sábado pelo teatro) em 1980, à última vez que a coreógrafa e bailarina alemã Pina Bausch dançou publicamente Café Müller, em 2008. Passando também pelo episódio da récita única de A Voz Humana que Maria Barroso levou a palco em 1966, travada nessa noite (que seria a sua despedida como actriz) pela PIDE.
A Voz Humana, de Jean Cocteau, regressará agora à cena na Sala Bernardo Sassetti de 20 a 24 de Novembro, num espectáculo de Lúcia Lemos, João Paulo Santos e Vasco Araújo. A proximidade física do São Luiz e da sede da PIDE estará fatalmente presente na Ocupação que Joana Craveiro e o seu Teatro do Vestido farão do Teatro São Luiz, entre 24 e 30 de Abril, numa série de apresentações que partem de uma reflexão sobre “o papel do teatro na resistência antifascista”, segundo explicou Aida Tavares. Antes, entre 1 e 7 de Abril, Joana Craveiro dirige ainda um espectáculo dirigido às crianças com um título que é já bem revelador do seu conteúdo: Era Uma Vez Um País Assim: Contar Bem Contadas a Ditadura e a Revolução.
Uma gala cabarética, um futuro que não se concretizou
Se os momentos marcantes na História do São Luiz contaminam estas comemorações do 125.º aniversário da sala, a efeméride é celebrada de uma forma um pouco diversa na “gala cabarética” preparada pelo Teatro Praga, intitulada Xtròrdinário, em cena de 10 a 18 de Maio. “A partir da cronologia vamos evidenciar muitas coisas que normalmente não são faladas aqui, como o facto de ter havido um transformista logo nos primeiros anos”, revela André e. Teodósio ao PÚBLICO. Sob a forma de gala, e com participações do Fado Bicha e de José Raposo, serão celebradas várias bodas – de prata, ouro, diamante, mas também com designações inéditas como ‘camembert’ ou ‘xtròrdinária’.
Ao tentar “perceber o que é importante e não mencionado na História do teatro”, o Teatro Praga prefere os momentos de relação com a contemporaneidade ao saudosismo das grandes figuras. Em vez de olhar para a passagem de Pina Bausch, prefere colocar o foco sobre o lançamento de um disco do Duo Ouro Negro no pós-25 de Abril. Teodósio voltará também a partilhar com Anabela Mota Ribeiro o programa Estar em Casa, a 13 e 14 de Julho, conjunto de espectáculos – de Miguel Bonneville, por exemplo, que apresentará também A Importância de Ser Georges Bataille de 14 a 19 de Maio –, palestras e outras actividades, pensadas para responder a esta localização do São Luiz, “entalado entre a casa de Fernando Pessoa, e todo o universo pessoano e futurista, e a PIDE”.
Ao olhar para o passado, para melhor perceber como se pode projectar no futuro, o São Luiz repõe ainda espectáculos como Sarah-Paris-Lisboa, que Miguel Loureiro criou a partir da actriz Sarah Bernhardt (que passou pelo em 1899), interpretado por Beatriz Batarda e de regresso entre 4 e 14 de Abril; mas também a encenação que o mesmo Miguel Loureiro apresentará, de 6 a 22 de Setembro, de A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas (Filho), que Eleonora Duse protagonizou no São Luiz em 1898; ou até a exibição de Metrópolis, clássico realizado por Fritz Lang, estreado em Portugal no São Luiz em 1928. Depois de ter musicado o filme na Cinemateca Portuguesa, o pianista Filipe Raposo volta, de 11 a 17 de Novembro, a esta “sinfonia distópica urbana, sobre uma visão futurista daquilo que seria o nosso presente”, resume ao PÚBLICO. “É a prova de que aquele futuro, que era anunciado, não se concretizou.”
Da relação entre passado, presente e futuro ocupa-se também o livro São Luiz 125, coordenado pela jornalista Vanessa Rato, e que traça uma retrospectiva histórica da sala ao mesmo tempo que convoca vozes como as de António Pinto Ribeiro, José Gil, Joacine Katar Moreira, Joana Craveiro, André e. Teodósio, Inês Nadais (jornalista do PÚBLICO) ou Isabel Lucas (colaboradora do PÚBLICO) para pensar o lugar do teatro na cidade e no país. O lançamento, a 6 de Setembro, dará o arranque para a temporada 2019/20.