Portugal aguarda luz verde de Bruxelas para acordo de investimentos com Angola
Acordo de Promoção e Protecção Recíproca de Investimentos precisa de autorização da Comissão Europeia para ser aplicado. Fim da dupla tributação e reforço de 500 milhões na cobertura de riscos de créditos à exportação estão em fase avançada, numa conjuntura de descida nos investimentos e de queda na venda de bens para Luanda.
A entrada em vigor do Acordo de Promoção e Protecção Recíproca de Investimentos (APPRI) entre Portugal e Angola está dependente de uma autorização da União Europeia, que ainda não deu a necessária “luz verde”. Segundo afirmou ao PÚBLICO fonte oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), a expectativa é a de que “no prazo de um mês haja desenvolvimentos positivos quanto a este dossier”, iniciando-se então o percurso final para a sua aplicação no terreno.
Este acordo foi assinado entre os dois países em Luanda há onze anos, mas não chegou a entrar em vigor. O tema voltou a estar em cima da mesa no âmbito da visita a Angola do primeiro-ministro português, António Costa, em Setembro do ano passado, período em que se iniciou um novo ciclo nas relações diplomáticas, e económicas.
Nessa altura, foi feita uma “declaração comum de intenções” com vista a concluir o processo de entrada em vigor do APPRI. Isso implicaria, conforme foi então referido, uma adenda ao acordo para a sua adequação “ao actual quadro de desenvolvimento económico dos dois países” e ao “novo paradigma aprovado pelo executivo angolano na matéria”, bem como “às normas da União Europeia aplicáveis a Portugal”.
Uma vez que a UE tem competência nesta matéria, fonte oficial do MNE adiantou ao PÚBLICO que, entretanto, foi feito junto da Comissão Europeia um “pedido de Portugal para avançar na negociação desta adenda com o lado angolano”, o qual está a ser analisado neste momento.
Concebido para promover o desenvolvimento de negócios entre os dois países, o APPRI define, entre outros aspectos, questões como as compensações aos investidores por perdas em cenários de conflito armado, ou as regras a cumprir em caso de expropriações.
João Traça, presidente da Câmara do Comércio e Indústria Portugal Angola (CCIPA), refere que o APPRI é um “instrumento de natureza recíproca que assegura a protecção das empresas e investimentos provenientes do país A no Estado B, contra os actos governativos do Estado B”. “Não é um passo indispensável para que possam existir relações empresariais de sucesso entre Angola e Portugal”, mas, acrescenta, “contribuiria para o reforço das relações empresariais” entre os dois países.
Dupla tributação e reforço de cobertura dos créditos
Dois outros acordos com influência no investimento foram também rubricados no âmbito da deslocação de António Costa a Luanda: a convenção para eliminar a dupla tributação e o reforço do valor estabelecido na convenção relativa à cobertura de riscos de créditos à exportação de bens e serviços de origem portuguesa para Angola, de 1000 para 1500 milhões de euros. Nos dois casos, ainda há etapas burocráticas a percorrer até que estejam prontos a aplicar no terreno. O mais adiantado é o da dupla tributação, através do qual se estabelecem regras para acabar com a hipótese de empresas e pessoas singulares (trabalhadores expatriados) poderem ser tributadas nos dois países sobre o mesmo rendimento.
Quanto ao acréscimo de 500 milhões da linha de garantia, suportada pelo Estado e gerida pela Cosec, este está por concluir, mas já conheceu vários avanços (é necessário um aditamento à convenção, que foi aprovado em Luanda pela Assembleia Nacional no final de Janeiro) e a previsão é a de que esteja no terreno a curto prazo.
Quando o reforço entrar em vigor, Angola poderá então, conforme está estabelecido, submeter novos projectos para serem financiados (como os ligados à construção de infra-estruturas prioritárias para o país). Com isso, haverá então mais oportunidades de negócios para as empresas portuguesas focadas neste país africano. Ao mesmo tempo, ficou também estabelecido uma simplificação de procedimentos na avaliação dos projectos abrangidos por esta linha.
Numa confirmação da importância deste instrumento, quando efectuou a sua visita oficial a Portugal no final de Novembro, o presidente de Angola, João Lourenço, afirmou que continuava “a contar com as linhas de crédito portuguesas para o financiamento do tão desejado crescimento e desenvolvimento económico e social” do seu país.
Dívidas em atraso continuam em processo de certificação
Outro tema que tem atravessado as visitas oficiais de responsáveis políticos dos dois países é o dos pagamentos em atraso por parte de Angola, problema que se agravou devido à crise económica que atravessa o país na sequência da baixa do preço do petróleo (principal fonte de receitas).
Em Novembro, no âmbito da visita de João Lourenço a Portugal, o ministro das Finanças de Angola, Archer Mangueira, afirmou à Lusa que já estavam certificados 270 milhões de euros de dívidas (onde se destacam as empresas de construção). Pouco antes, o valor estava nos 200 milhões, dos quais metade já tinham sido regularizados.
A minimização dos pagamentos em atraso é, aliás, um dos objectivos estabelecidos no acordo que levou à intervenção do FMI em Angola, e que está agora na sua fase inicial.
Sobre este assunto, fonte oficial do MNE afirmou ao PÚBLICO que “a certificação e a negociação de modalidades de pagamento estão em curso”, destacando “a abertura revelada, desde o primeiro momento, pelas autoridades angolanas, para dialogar com as empresas portuguesas”. A embaixada de Portugal em Luanda, diz o MNE, “tem acompanhado de perto a situação e providenciado apoio às várias empresas que reclamam créditos”.
Menos investimentos, e exportações a cair
A captação de investimento estrangeiro, com a diversificação da economia, tem sido uma das grandes apostas do executivo de João Lourenço (para depender menos das receitas do petróleo, e das importações, além do objectivo de criação de emprego). Entre as áreas prioritárias estão a agricultura e a agro-indústria, os têxteis e calçado, ou o turismo.
Essa foi uma das mensagens fortes deixadas pelo presidente angolano em Lisboa e no Porto, e será certamente retomada no âmbito da visita oficial de Marcelo Rebelo de Sousa a Angola, que decorre entre esta terça-feira e sábado.
A deslocação inclui a realização de um Fórum Empresarial Angola-Portugal em Benguela, na quinta-feira, que contará também com a presença do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, e do ministro Adjunto e da Economia, Pedro Siza Vieira, bem como de empresários e gestores.
Entre 2015 e 2018, de acordo com os dados da Agência de Investimento Privado e Promoção das Exportações (AIPEX), foram aprovados apenas 13 projectos de investimento provenientes de Portugal (avaliados em 22,6 milhões de dólares), quando entre 2011 e 2014 o número de projectos chegou aos 155 (1391 milhões de dólares).
Ao nível das exportações, o cenário também já foi bem mais positivo para Portugal: no ano passado, a venda de bens para Luanda foi de 1508 milhões de euros, o que representa uma descida de 16% face ao ano anterior, e menos de metade do valor das exportações registado em 2014 (ano em que o preço do barril de petróleo começou a descer).
Aqui, há factores conjunturais, mas não será fácil, até pela maior aposta na produção local, voltar a ver as exportações acima do patamar dos 3000 milhões de euros. Outro indicador da crise que atravessa Angola é o das remessas de emigrantes, que no ano passado desceram 9% para 223 milhões (ainda assim, ficou acima dos valores de 2015 e 2016).
Para o presidente da CCIPA, João Traça, estes indicadores “variam em paralelo com a evolução da economia angolana”. “Se a economia angolana conseguir evoluir favoravelmente, certamente que a tendência se irá inverter”, sublinha.
De acordo com este responsável, a viagem de Marcelo Rebelo de Sousa “será certamente um momento de celebração” entre os dois países, “esperando-se que, para além da solenidade e simbolismo inerente a estes momentos, possa ser partilhada uma nova visão estratégica e dado um novo impulso às relações empresariais, as quais são construídas e desenvolvidas todos os dias por vários milhares de profissionais em Portugal e Angola”.
Para já, esperam-se algumas novidades ao nível institucional, com fonte oficial do MNE a adiantar que “estão a ser ultimados instrumentos de cooperação entre a AICEP, o IAPMEI e congéneres angolanas”. No caso da AICEP, esta deverá celebrar com a AIPEX um protocolo de cooperação “para o desenvolvimento de iniciativas conjuntas de apoio ao comércio e investimento”. Já o IAPMEI negociará um protocolo de colaboração com o INAPEM “no âmbito do empreendedorismo e desenvolvimento empresarial” que, diz o MNE, “deverá ser posteriormente complementado com novos instrumentos ou planos de acção específicos”, que envolvem “intercâmbios e partilhas de experiências”.
Orçamento rectificativo a caminho
Cerca de um ano e meio depois de ter estado em Luanda para a tomada de posse de João Lourenço, Marcelo Rebelo de Sousa encontra um país cuja economia terá encolhido em 2018 pelo terceiro ano consecutivo. O FMI, instituição junto da qual Angola pediu auxílio financeiro e técnico, estima que a contracção em 2018 tenha sido de 1,7%. Para este ano, a previsão é a de regresso ao crescimento, com uma variação do PIB de 2,5%.
Neste momento, está já em curso o processo de revisão do Orçamento Geral do Estado (OGE) para este ano, pouco tempo depois da sua aprovação (a 14 de Dezembro). A questão prende-se com o preço do barril do petróleo, fixado nos 68 dólares no âmbito do OGE mas que na prática tem estado abaixo desse valor desde o início de Novembro (na passada sexta-feira a cotação estava nos 65 dólares, após já ter estado na casa dos 50 dólares).
A descida da estimativa do preço do petróleo implica uma redução das receitas fiscais, o que provocará a necessidade de ajustar a despesa (o OGE revisto deve ser apresentado ainda este mês). Isto numa altura em que, com o FMI já no terreno, um dos pilares da estratégia de finanças públicas é o da consolidação orçamental, com redução do nível de endividamento do Estado.
A Economist Intelligence Unit (EIU) já se pronunciou sobre a revisão do OGE, afirmando, citada pela Lusa, que “cortar a despesa pode ajudar o Governo a equilibrar as contas” e ganhar credibilidade junto do FMI. No entanto, a EIU alerta que a iniciativa pode gerar atrasos na execução de projectos e não ser popular junto dos angolanos, que têm perdido poder de compra, e advertiu para a necessidade de uma “uma gestão cuidadosa” deste processo.