Declaração para memória passada, presente e futura

Quem lê estas crónicas sabe bem como, desde o início da década, tenho combatido sem hesitações a deriva populista e, em particular, a corrente que defende a democracia iliberal.

1. Para que conste, socorrendo-me de um artigo meu de 3 de Novembro de 2015, a propósito da vitória de conservadores radicais nas eleições polacas de 2015, escrevi neste espaço: “O caminho da 'orbanização' – sustentado pela admiração nutrida pelo carisma de Viktor Orbán e pela aproximação nacionalista dos restantes países do grupo de Visegrado (Hungria, Eslováquia e República Checa) – consubstanciar-se-ia na tentativa de domesticação do sistema judicial e do mundo mediático, numa maior estatização da economia, num reforço das políticas sociais de distribuição, num dogmatismo moral de cariz religioso e num nacionalismo exacerbado de matiz xenófoba. [O caminho polaco] só se distinguiria do trilho húngaro na relação com a Rússia de Putin, que, ao invés do caso magiar, seria e será decerto muito tensa e hostil.”

2. Quem lê estas crónicas ou segue os debates televisivos ou radiofónicos em que intervenho sabe bem como, desde o início da década, tenho combatido sem hesitações a deriva populista e, em particular, a corrente que defende a democracia iliberal. A lista de artigos, publicados de 2011 até agora, em que me ocupei do tema e fiz a denúncia e crítica dessa corrente político-ideológica alça às dezenas. Nunca deixei de me referir ao caso húngaro, embora a situação na Eslováquia (com governo socialista), na Roménia (com governo socialista) e na Polónia (com governo conservador) me preocupem em idêntico grau. Em quase todos aqueles artigos, fiz uma condenação explícita e inequívoca de medidas políticas, tomadas de posição e até discursos do partido húngaro Fidesz e do seu líder Viktor Orbán. Em especial, pelo desrespeito ou menorização de princípios estruturantes do Estado de Direito, designadamente relativos à autonomia da sociedade civil, à independência judicial e à liberdade de imprensa, mas também pelas críticas ao processo de construção e de integração europeia. O mesmo se diga quanto à questão das migrações ou, por exemplo, na intolerável defesa de uma eventual reintrodução da pena de morte.

Assumi sempre estas posições, sem tibieza, sem complexos e sem simplismos, não apenas na comunicação social, mas também no interior do PPE, designadamente depois de eleito para as funções de vice-presidente do partido. Tal como no Parlamento, invariavelmente ao lado das delegações nórdicas e do Benelux, o PSD esteve sempre na linha de condenação das posições do Fidesz que punham em causa os valores fundamentais do PPE. Por mais do que uma vez, o Fidezs foi confrontado com a perspectiva de saída voluntária do PPE ou de activação do mecanismo de sancionamento que culmina na expulsão. De resto, no seio do PPE e neste particular, o PSD é sistematicamente identificado como um partido da linha dura ao lado nossos congéneres do Benelux e dos países nórdicos – algo que, aliás, é facilmente verificável.

Mais importante ainda, porque têm repercussão institucional e não apenas partidária, são as votações no Parlamento Europeu. Do início da década em diante, houve inúmeras oportunidades de votação em diferentes relatórios e resoluções. Nos casos de votação nominal, o sentido adoptado por cada deputado e por cada partido é, ainda hoje, controlável e comprovável. Sem prejuízo de algum caso excepcional de posição individual diferenciada, os deputados do PSD têm votado consistentemente no sentido de censurar aquela linha de posicionamento político. E fazem-no há muito tempo, não sendo por isso necessário invocar a mais importante (mas recente) votação, que determinou a activação do art. 7.º do Tratado da União. Se alguma dúvida pudesse persistir, esta mataria todas as outras.

3. A dissensão e discordância em face do Fidesz e da linha política que, ao longo do tempo e cada vez mais blindadamente, tem protagonizado é evidente. Esta posição pessoal e do PSD nada tem que ver com o integral respeito para com o povo húngaro, para com a Hungria e para com muitos militantes e dirigentes do Fidesz que não subscrevem aquele alinhamento. Importa também esclarecer que, até 2016, foram múltiplas as ocasiões em que o partido húngaro e o seu Governo, depois de admoestados e advertidos pela presidência do PPE, se retractaram e corrigiram decisões mais radicais. Importa, aliás, lembrar que, na Comissão Barroso II, mercê da acção determinada da comissária Viviane Reding, o governo de Orbán fez imensos recuos em medidas problemáticas.

É verdade, todavia, que, depois de 2016, não houve quaisquer progressos; bem pelo contrário. Como aqui escrevi a 26 de Junho de 2018, depois da eleição de Trump, o Fidesz adoptou uma posição muito mais inflexível, desafiante e provocadora. Até aí, alguns membros do PPE defendiam uma posição mais contida, considerando que isso evitava uma “radicalização” à direita do partido húngaro (que tem como principal adversário um partido neo-fascista – o Jobbik). A partir do início de 2017, essa percepção mudou. Em 19 de Setembro de 2018, em Salzburgo, a presidência do PPE e a cimeira de líderes – em que esteve presente Orbán – encetaram um processo tendente a uma abertura do procedimento sancionatório do art. 9.º dos Estatutos. Não tendo havido nenhum acto do Fidesz com vista a uma saída ou suspensão voluntária, o mecanismo será agora activado. Como sempre, e sem surpresas de ocasião, com o apoio do PSD e dos partidos com os quais sempre articulou a sua posição. Não é um momento de felicidade ou de euforia. É um momento de congruência e responsabilidade.

P.S.: No seu artigo de quinta-feira, Francisco Assis resolveu divergir da interpretação que faço de Rousseau. O debate de ideias, percepções e interpretações é sempre de saudar e hei-de travá-lo em tempo oportuno. Estou muito confortável com a minha leitura de Rousseau; de resto, nada original, antes inspirada numa longa e sólida tradição filosófica. Estranho a paixão e o calor que pôs na crítica, que, muito benignamente, atribuo aos “vapores eleitorais” da estação.

SIM e NÃO

Sim. Frei Bernardo Domingues. Um intelectual singular, marcado pela bondade e por uma rara capacidade de interpelar. Exalava bonomia, mas, qual oráculo, obrigava-nos a pensar. E a agir.

Não. Ministro Santos Silva. O governo português continua sem esclarecer se há ou não membros da comunidade lusa entre os 3,5 milhões de venezuelanos deslocados. Tem de o fazer.

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