A investigação que antecipou (mas não evitou) a crise das vacas loucas
Carlos Pimenta foi o relator da histórica investigação do Parlamento Europeu sobre a qualidade da carne para consumo humano na Comunidade Económica Europeia, em 1989. Recorda ter-se deparado com o uso em grande escala de hormonas, químicos e medicamentos na criação intensiva de animais e que escapava às autoridades e aos consumidores.
“Foi preciso a crise das vacas loucas para perceber que não se pode dar carne moída e doente a herbívoros”, afirma Carlos Pimenta, relator de uma investigação histórica do Parlamento Europeu, em 1989, sobre a qualidade da carne na Comunidade Económica Europeia.
O então relatório da comissão especial de inquérito, adoptado “por quase unanimidade”, tinha sido desencadeado pela preocupação geral pelo uso de hormonas de crescimento nos animais na Europa, pelo aumento de bebés do sexo masculino que desenvolviam seios e outras perturbações de origem hormonal na Itália e pela descoberta de grandes depósitos de hormonas que eram injectadas ilegalmente nos animais na Alemanha. “Houve veterinários assassinados na Bélgica por se oporem”, lembra.
A investigação descobre, entretanto, que “por trás da questão das hormonas havia toda uma fileira de criação de animais com todo género de químicos e medicamentos para que crescessem mais depressa, tivessem mais peso e parecessem melhor”, recorda Carlos Pimenta, que foi secretário de Estado do Ambiente e das Pescas antes de ser eurodeputado, e tem sido nos últimos anos o rosto do grupo produtor de energia renovável, a Generg. “Era a falência total do sistema”.
A investigação reuniu dezenas de testemunhos desde cientistas a um mafioso para perceber o submundo das drogas administradas aos animais. O documento, com 45 recomendações, já fala nas vacas loucas, mas será preciso esperar mais quatro anos, quando a BSE passa a problema de saúde pública em toda a Europa, para “as principais medidas serem implementadas”. Uma delas é a proibição de utilização de antibióticos em animais sem atestado médico.
A ironia, para Pimenta, é que “se se tivessem seguido logo nessa altura as recomendações do PE, tinha-se evitado muitas mortes humanas e a própria doença das vacas loucas”.
Desde então, acrescenta, “houve obviamente progressos grandes e há imensas coisas por fazer” como estender às substâncias equivalentes a medicamentos a mesma proibição dos antibióticos sem prescrição médica, por causa das bactérias multirresistentes às infecções. “Hoje percentagens de dois dígitos de doentes entram no hospital com uma doença e apanham uma coisa multirresistente. É comum”.
É aqui que vê o “papel vital do PE”, é “a câmara onde estas coisas se denunciam e onde se pode pôr pressão, porque os regulamentos são europeus, não há fronteiras e os sistemas de controlo têm de ser equivalentes seja na criação, no abate, na distribuição ou na venda ao consumidor final”.
Esta não foi a única vez no PE que a defesa do consumidor ocupou Carlos Pimenta, o engenheiro electrotécnico de formação que viria a ser também relator do PE à Convenção das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (UNFCCC) e para o Protocolo de Quioto. Nos seus anos como eurodeputado, fez parte de um grupo voluntário de eurodeputados, o Eurogrupo pela Defesa do Consumidor, próximo das associações nacionais desta área. “Eram legisladores em ligação directa não só às pessoas mas directamente às associações dos dos vários países”. Apesar de voluntária, lembra que esta estrutura “fez avançar questões” nos direitos do consumidor nas compras à distância, nas viagens aéreas e no time-sharing.