Francisco Salvação Barreto: quando as Horas da Vida são as horas do fado

Inspirado por João Ferreira-Rosa e elogiado por Camané, Francisco Salvação Barreto apresenta agora ao vivo o seu disco de estreia, Horas da Vida. Agora nas Fnac e em Junho no CCB, no ciclo Há Fado no Cais.

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Francisco Salvação Barreto LUÍS CARVALHAL

“Este é o primeiro disco, mas não é o disco de um principiante. Ao ouvi-lo, sentimos um fadista dentro do fado.” Estas palavras são de Camané e foram impressas no interior do disco Horas da Vida, de Francisco Salvação Barreto, fadista já com um logo caminho no fado mas que só agora se estreou em disco.

Mas Camané, que assegurou a direcção de voz nas gravações, diz mais, nesse seu texto: “O seu estilo, autêntico, impôs-se na sua maneira de cantar. Durante anos, amadureceu em casas de fado e no contacto com outros fadistas. Foi esta a sua escola. Hoje, a sua maturidade revela-se no modo como consegue recriar os andamentos dos fados tradicionais. Com um ritmo mais rápido, mas sem nunca perder o sentido da palavra e a força de um registo emocional.” E assim caracteriza Camané a voz que gravou Horas da Vida, que sintetiza as suas já muitas horas no fado.

Uma descoberta em família

Nascido em Lisboa, em 13 de Janeiro de 1982, Francisco Salvação Barreto teve na infância os primeiros contactos com a música a ouvir a colecção de discos do avô. “Os meus avós maternos são do Porto e passávamos lá uma parte das férias de Verão, eu e os meus irmãos. O meu avô tinha uma série de discos e, nessas temporadas, eu ouvia-os. Fado, música brasileira, música clássica, era uma colecção muito heterogénea.”

Porém, de todas estas músicas, é o fado que o vai agarrar com mais intensidade. “Um dia ouço o João Ferreira-Rosa e, ao ouvi-lo, apercebo-me de que há ali um bocadinho mais do que uma música tradicional simples e trauteável. É ele que me interpela.” Pelo modo de cantar, pelo estilar? “Pela intensidade. Do princípio ao fim, está sempre lá, nunca a deixa cair.” Houve dois fados, em particular, que com aquela idade (12 anos) o atraíram: o Embuçado, que começou logo a trautear e cantar, e, diz ele, “mais tarde o Triste sorte, o Fado Cravo do João.”

Começou a cantar entre amigos e nos almoços de família. “Entre primos e amigos de família, havia sempre alguém que tocava e cantava.” Isso em 1994, “quando não era muito normal uma pessoa da minha idade gostar de fados.” Em público, ainda se lembra do primeiro sítio onde cantou fados: “Foi num espectáculo para a sede dos bombeiros do Bombarral. Cantei, aterrado, para 400 pessoas. Éramos para aí uns vinte a cantar, estava lá o Gonçalo da Câmara Pereira, e disseram para o miúdo [ele] ir cantar também.”

Depois de João Ferreira-Rosa vieram outras influências: “Maria Teresa de Noronha, uma referência incontornável. Entusiasmei-me logo pelo repertório. Depois, Carlos Ramos (percebi que era outra coisa) Fernanda Maria; e, mais tarde, o Marceneiro, que não se descobre logo, vai-se descobrindo, sobretudo para um miúdo para quem é mais difícil perceber as nuances.” Não parou por aí. Vieram depois, nas vozes que ia ouvindo e admirando, Beatriz da Conceição e Fernando Maurício. “A maior parte ia-os ouvindo em disco, mas ainda tive a sorte de estar com o João Ferreira-Rosa [1937-2017], a Maria Leopoldina da Guia [1946-2006] ou o Vicente da Câmara [1928-2016].”

Gravar com repertório próprio

Aos 17 anos já imergia nos meios fadistas, nas noitadas, com “um grupo de amigos da mesma idade que foi muito importante” nessa iniciação. Começou a cantar com alguma regularidade na Casa da Mariquinhas, de Maria João Quadros. “Depois comecei a cantar em algumas casas, como o Clube de Fado, e em 2011 fui convidado pela Maria da Fé para ficar n’O Senhor Vinho.” E lá ficou, até hoje. Embora não viva apenas do fado, já que mantém a par do fado uma actividade profissional como arquitecto paisagista. “São duas coisas que me entusiasmam. E faço ambas com a mesma intensidade.”

O facto de só agora gravar tem a ver com a necessidade, que ele tinha por prévia, de assegurar repertório próprio. E consegue-o, cantando com música de fados tradicionais letras de Aldina Duarte, Domingos Gonçalves Costa, João Mário Veiga, João Monge, José Luís Gordo, Maria do Rosário Pedreira, Manuel Andrade, Paco Gonzalez, Rita Mariano de Carvalho, mas também poemas de Fernando Pessoa, Miguel Torga ou Pedro Homem de Mello. O disco abre com o fado que lhe dá título, Horas da vida, e fecha com Atalhos proibidos, de Artur Ribeiro, aqui no Fado Súplica de Armando Machado.

Do desafio de Camané ao CCB, em Junho

Nas gravações participaram Bernardo Couto (guitarra portuguesa), Rogério Ferreira (viola de fado) e Francisco Gaspar (viola baixo). Além de Camané, na direcção de voz: “Ele foi de uma enorme generosidade. Basicamente, foi um desafio. Volta não volta perguntava-me ‘como é que isso está?’ até que, no concerto dos 50 anos de carreira do João Braga, eu disse-lhe que ia gravar com o Museu do Fado.” Mais tarde convidou-o para um ensaio, quando já tinha as coisas encarreiradas. “Ele entusiasmou-se com o repertório e com o que estávamos a fazer, nós os quatro [ele e os músicos], e aceitou ir comigo para estúdio. Fiquei lisonjeado, porque ele é um dos nossos maiores. E o trabalho de estúdio foi uma maravilha. Ele nunca me disse ‘faz assim’ mas ia fazendo observações à Camané, do género ‘não deixes cair a frase’ ou ‘não percas a intenção’.” A gravação foi rápida, “três ou quatro dias”, mas, diz Francisco, “foram dias de dádiva constante.”

Esta sexta-feira o disco é apresentado ao vivo na Fnac Colombo, às 18h30. E no sábado na Fnac Vasco da Gama, às 17h. Com Francisco Salvação Barreto estarão Dinis Lavos (guitarra portuguesa), Rogério Ferreira (viola de Fado) e Francisco Gaspar (viola-baixo). Após a ronda das Fnac, espera-o mais tarde, já no Verão, o Pequeno Auditório do CCB. Será no dia 7 de Junho, às 21h, num concerto integrado no ciclo Há Fado no Cais.

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