Exercício de esquiva e resistência na comissão de Tancos
Recebeu a notícia do roubo como um murro no estômago, que, advertiu, dói muito. Durante duas horas de audição no Parlamento nunca esteve nas cordas.
“Estou há 363 dias na reforma”, disse ao fim da tarde desta quarta-feira numa brevíssima intervenção inicial o general Pina Monteiro, chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), aquando do assalto aos paióis de Tancos. Não era, apenas, um dado da sua existência o confessado com quase um ano fora das filas, que se comemora esta sexta-feira. Foi premonitório de uma audição que, dada a responsabilidade do oficial no dia de autos, surpreendeu pela escassez.
O general Pina Monteiro praticou boxe, desporto que junta a esquiva à resistência. Na 18.ª audição da comissão parlamentar de inquérito aos acontecimentos de Tancos, os deputados tiveram viva prova da chamada arte do ringue. “Tenho dificuldade em responder por ética”, argumentou, escudando-se em comentar as exonerações temporárias decretadas pelo chefe de Estado-Maior do Exército (CEME) aos cinco comandantes das unidades militares que faziam a segurança a Tancos.
“O CEME tinha um peso em cima dele, tomou uma decisão singular, solitária e controversa, mas acredito que foi convicta, por isso não me atrevo a fazer nenhum juízo de valor”, justificou-se. Mais informou que só soube daquela notícia por uma entrevista do general Rovisco Duarte na televisão: “Ele não tinha de me dar conhecimento, não falei com o ministro da Defesa sobre a questão, não posso identificar nenhuma pressão.”
Do mesmo modo, só teve conhecimento da recuperação do material pelo comunicado da PJM. “Quando vi o comunicado fiquei satisfeito. Não fiquei satisfeito mais tarde se as circunstâncias foram aquelas [montagem]”, anotou.
Também só a 29 de Junho de 2017, em Bruxelas, onde acompanhava o ministro numa sessão da NATO, Azeredo Lopes o informou do roubo praticado a 27, detectado e comunicado ao titular da Defesa a 28. “O que sempre vi da parte política, do senhor ministro, do Presidente da República, foi uma grande preocupação em tentar identificar quem o fez e como o fez”, disse. “Nunca interpretei qualquer declaração pública do ministro da Defesa como pressão”, respondeu, mantendo a pergunta à distância prudente do boxeur em defesa.
Sobre o material roubado em Tancos e, depois, recuperado na Chamusca, o oficial teve de lidar com frases que ou levaram à má interpretação das suas palavras ou preencheram delírios de confusão. Esclareceu, repisou que os lança-granadas “não estavam em condições de ser utilizadas para o que foram concebidos”. Só armadilhados eram perigosos e era essa a razão por estarem à guarda dos paióis 14 e 15 de Tancos para serem utilizados para os treinos do Regimento de Engenharia 1.
Mais tarde, concederia, mantendo as perguntas à distância, que admite ter havido cumplicidade de alguém que a investigação apurará. Há conversas paralelas na sala. No final da única ronda de perguntas, durante cerca de duas horas, o antigo chefe militar das Forças Armadas terminou a audição. Recebeu a notícia do roubo como um murro no estômago, que, advertiu, dói muito. No Parlamento, nunca esteve nas cordas.