Neto de Moura: “Regime de protecção das vítimas deve ser melhorado”
"Tenho para mim que é sempre preferível uma intervenção pedagógica, em que se procure combater as causas da violência doméstica e educar para a cidadania e o Direito”, defende juiz Neto de Moura.
O juiz do Tribunal da Relação do Porto Neto de Moura acredita que as leis que regem a protecção das vítimas devem ser melhoradas. Questionado pelo PÚBLICO sobre o paradoxo que constitui um tribunal retirar a vigilância electrónica a alguém já condenado e que usou a pulseira enquanto aguardava julgamento e era um mero arguido, o magistrado recorda que as exigentes condições mediante as quais pode ser aplicado o aparelho, seja enquanto medida de coacção ou como meio de fiscalização do cumprimento da pena, se justificam pelo facto de se tratar de um instrumento de cariz intrusivo, “que afecta a liberdade e a privacidade, não só do condenado e da vítima, mas também das pessoas que com eles têm uma relação de proximidade”.
Por isso, “há que equacionar e ponderar todos os interesses relevantes em jogo e procurar conciliá-los”, acrescenta. Daí que a lei exija aos tribunais que optem pela aplicação da pulseira sem o consentimento do visado que demonstrem a imprescindibilidade dessa medida para a protecção da vítima.
“Em abstracto, ou em tese, poderá dizer-se que a fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contacto por meios de controlo à distância é desejada pela vítima porque, assim, sentir-se-á mais segura”, admite Neto de Moura. Para acrescentar logo de seguida: “Mas pode não ser assim.” Por isso, “a fundamentação desse juízo de imprescindibilidade tem de ser vista caso a caso”.
“Tenho para mim que é sempre preferível uma intervenção pedagógica, em que se procure combater as causas da violência doméstica e educar para a cidadania e o Direito”, defende. “E isso pode conseguir-se com o controlo exercido pelo técnico de reinserção social no âmbito do regime de prova que condiciona a suspensão da execução da pena.”
Interrogado sobre se não seria preferível, em casos como estes, os juízes de segunda instância pedirem aos colegas da primeira instância para reformularem as sentenças, por forma a fundamentarem melhor a aplicação da vigilância electrónica à revelia do agressor, o desembargador explica que isso não é uma possibilidade legal: “Os tribunais da Relação, enquanto tribunais de recurso, não pedem aos de primeira instância que reformulem sentenças” por este tipo de motivos.
Neto de Moura encerra o assunto com uma opinião: “O que julgo ser consensual neste momento é que o regime jurídico de prevenção da violência doméstica e de protecção das suas vítimas pode (deve) ser melhorado. É isso que importa e não as proclamações demagógicas que se vão sucedendo” sobre o problema.