Posso culpar a pílula pelo meu aumento de peso?

Quando há um grande número de mulheres a queixar-se do mesmo, há que tentar perceber as razões por detrás dessas queixas.

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“Desde que comecei a tomar pílula senti que engordei logo dois quilos”, é daquelas frases que coabitam com tantas outras como “tenho um metabolismo lento”, “faço muita retenção de líquidos” ou “devo ter algum problema de tiroide”, quando o objectivo é justificar uma recente subida do peso. Do ponto de vista comportamental, uma consulta que comece logo com uma tirada destas, é sinal que a tarefa do nutricionista não será fácil, mas não é sobre isso que hoje vamos aqui falar.

Para abordar correctamente o efeito da pílula no peso, mais do que um artigo, poder-se-ia escrever um livro, tais são as várias combinações hormonais possíveis e os eventuais efeitos secundários de cada uma. Mas sendo o mais sucinto possível, existe de facto uma justificação plausível para um aumento de peso com a toma da pílula?

A resposta mais óbvia seria citar as últimas revisões da Cochrane sobre o tema (a instituição mais prestigiada neste tipo de publicações), e dizer que não há de facto nenhum efeito substancial no peso, ou no limite um aumento até 2kg (com contraceptivos orais de progestagénios), existindo até trabalhos que denotam uma diminuição da massa gorda (neste caso em concreto com contraceptivos à base de progestagénios anti-androgénicos — acetato de clormadinona — para além de etinilestradiol). Mas quando há um grande número de mulheres a queixar-se do mesmo, há que tentar perceber as razões por detrás dessas queixas. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que as doses de etinilestradiol (estrogénio sintético) utilizadas hoje nos contraceptivos orais combinados são quase dez vezes mais baixas do que as que existiam nas primeiras versões que foram lançadas no mercado. Daí que alguns mitos associados ao aumento de peso e outros efeitos secundários ainda se mantenham actualmente e que muitas mulheres fiquem já sugestionadas quanto ao efeito negativo da pílula no peso. Para além disso, é essencial saber se este hipotético ganho de peso se deve a massa gorda ou a uma maior retenção de líquidos. E esta situação é muitas vezes comprovada com o tempo que medeia esse ganho de peso. Mudanças bruscas de peso estão quase sempre relacionadas com variações de fluídos corporais. É praticamente impossível ganhar 1 kg de massa gorda em um ou dois porque isso implicava ingerir mais 5000 a 7000 kcal do que as necessidades energéticas diárias (apenas atingível com uma ingestão bastante desequilibrada e compulsiva nesses dias). Quer isto dizer que teria de existir um efeito da pílula ou no gasto energético ou no aumento do apetite e consequente aumento do consumo de calorias para justificar um aumento de massa gorda.

O efeito das hormonas sexuais no apetite é controverso e depende da opção tomada. Enquanto o estrogénio pode diminuir o apetite, a progesterona e testosterona podem ter o efeito oposto. Estas flutuações estão até na origem do aumento do apetite e aporte calórico na fase pré-menstrual (onde os níveis de progesterona estão elevados) sendo a ingestão calórica menor na fase peri-ovulatória, quando os níveis de estrogénio estão elevados. Ainda assim, este aumento do apetite pode ser (em parte) compensado por um pequeno aumento do dispêndio energético que também ocorre na fase pré-mestrual associado aos elevados níveis de progesterona.

Voltando aos diferentes tipos de contracepção, alguns progestagénios mais potentes (prescritos em patologias como a endometriose entre outras) podem de facto aumentar de forma mais substancial o peso (5kg em 36 meses), até porque a medroxiprogesterona pode aumentar a motivação para o consumo de alimentos mais calóricos. Com outros métodos de contracepção à base de progestagénios mais suaves ou não hormonais, a média de aumento de peso em um ano foi pequena (0,16 kg com DIU de cobre até 2,2kg com medroxiprogesterona), mas tanto existiram aumentos de peso de 32 kg como perdas de 16 kg, valores que nunca poderão ser justificáveis com o método de contracepção mas sim com o estilo de vida (dieta e exercício). Para além das questões relativas ao peso total, também na composição corporal podem existir algumas mudanças, existindo casos onde o contraceptivo oral (sobretudo os progestagénios com maior grau de androgenicidade) atenuou em 40% o aumento de massa magra decorrente de  10 semanas treino da força. A distribuição de massa gorda também pode sofrer alterações, pois o nível de estrogénios está relacionado com uma menor acumulação de gordura na zona visceral e maior acumulação nas extremidades como a zona tricipital (parte de trás do braço – o chamado “músculo” do adeus), coxa e gémeo. Aliás, são estas as zonas que mais “engordam” nas mulheres a seguir à puberdade e na terapia hormonal para mudança de sexo, o que denota uma influência das hormonas sexuais. Logo não será de estranhar que mais do que a percentagem de gordura total, a localização da mesma possa sofrer pequenas alterações com os contraceptivos orais, sobretudo os mais estrogénicos.

Em suma, algumas pílulas podem de facto não ajudar ao aumento de massa muscular, ao emagrecimento, ou até “inchar” mais do que “engordar”, mas possuem outras vantagens e a sua utilização deverá ser sempre ponderada e discutida com o seu médico. Independentemente da sua utilização ou não, os princípios básicos de alimentação saudável e do treino seja numa perspectiva de emagrecimento ou hipertrofia muscular mantêm-se. Se ainda tem muito a melhorar quer na alimentação e também no treino, não pode culpar a pílula pelo aumento de peso.

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