Sobre o Programa Erasmus Lusófono

Esta proposta de promover a circulação de estudantes no espaço lusófono será decerto um excelente passo – e uma excelsa forma de homenagear Agostinho da Silva, nos 25 anos do seu falecimento.

Segundo o noticiado em vários órgãos de comunicação social, há uma polémica em curso em torno da atribuição do nome de Fernando Pessoa a uma proposta de um Programa Erasmus para o espaço da Lusofonia, polémica que deriva de algumas posições menos “ortodoxas” (para dizer o mínimo) do autor da Mensagem sobre a escravatura. Não entrando nessa polémica, esperamos apenas que, como muitas vezes acontece entre nós, o superficial (o nome) não ponha em causa o fundamental, que é, neste caso, a concretização desta ideia que temos defendido deste sempre. Se o nome de Fernando Pessoa é polémico, propomos então o de Agostinho da Silva, decerto bem mais consensual e, neste caso, mais justo, não tivesse ele reiteradamente defendido em vida o “passaporte lusófono”. Tendo consciência que esse sonho não se poderá ser realizável no imediato, esperamos que neste ano de 2019 se dêem passos concretos nesse sentido. E esta proposta de promover a circulação de estudantes no espaço lusófono (não devendo o programa, a nosso ver, limitar-se aos países da CPLP: Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) será decerto um excelente passo – e uma excelsa forma de homenagear Agostinho da Silva, nos 25 anos do seu falecimento.

Com efeito, como ainda hoje é reconhecido, Agostinho da Silva foi, desde os anos cinquenta do passado século, o grande prefigurador de uma “comunidade luso-afro-brasileira, com o centro de coordenação em África, de maneira que não fosse uma renovação do imperialismo português, nem um começo do imperialismo brasileiro. O foco cen­tral poderia ser em Angola, no planalto, deixando Luanda à borda do mar e subir, tal como se fizera no Brasil em que se deixou a terra baixa e se foi estabelecer a nova capital num planalto com mil metros de altitude. Fizessem a mesma coisa em Ango­la, e essa nova cidade entraria em correspondência com Brasília e com Lisboa para se começar a formar uma comunidade luso-afro-brasileira”. Na sua perspectiva, assim se cumpriria essa Comunidade Lusófona, a futura “Pátria de todos nós”: “Do rectângulo da Europa passámos para algo totalmente diferente (…). Os brasileiros pode­rão chamar-lhe Brasil e os moçambicanos poderão chamar-lhe Moçambique. É uma Pátria estendida a todos os homens, aquilo que Fernando Pessoa julgou ser a sua Pátria: a língua portuguesa. Agora, é essa a Pátria de todos nós.”

Num texto publicado no jornal brasileiro O Estado de São Paulo, com a data de 27 de Outubro de 1957, Agostinho da Silva havia já proposto “uma Confederação dos povos de língua portuguesa”. Num texto posterior (“Proposição”, de 1974), expressamente citado no prólogo da Declaração de Princípios e Objectivos do MIL: Movimento Internacional Lusófono, chegará a falar de um mesmo povo, de um “Povo não realizado que actualmente habita Portugal, a Guiné [-Bissau], Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, o Brasil, Angola, Moçambique, Macau, Timor, e vive, como emigrante ou exilado, da Rússia ao Chile, do Canadá à Austrália”. Daí ainda o ter-se referido ao que “no tempo e no espaço, podemos chamar a área de Cultura Portuguesa, a pátria ecuménica da nossa língua”, daí, enfim, o ter falado de uma “placa linguística de povos de língua portuguesa — semelhante às placas que constituem o pla­neta e que jogam entre si”, base da criação de uma “comunidade” que expressamente antecipou: “Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa, política essa que tem uma vertente cultural e uma outra, muito importante, económica”. Prestes a entrarmos numa nova década do século XXI, eis, a nosso ver, o sonho que mais importa cumprir.

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