Arnaldo Matos, no teu aniversário lá estarei!
Era um homem frontal, franco, determinado, profundamente convicto das suas ideias e morreu com elas, facto que hoje e´ verdadeiramente excecional.
Conheci-o nos finais dos idos de sessenta. Já lá vão cinquenta anos!!! Nesse tempo, a generosa ingenuidade dos jovens estudantes da Faculdade de Direito de Lisboa confrontava-se com a prática política do regime anterior, que negava direitos fundamentais.
O que se aprendia não era para valer quando algum estudante era preso. A palavra segredada corria, por isso, entre nós a germinar manifestações de protesto contra um regime paroquial, de partido único, castrador das liberdades e assumindo-se orgulhosamente só.
Os jovens só podiam ser mesmo contra o regime. A guerra colonial que os convocava à força para o serviço militar reforçava essa opção. Ouvi-o falar pela primeira vez no bar da Associação depois de ter prestado o serviço militar em Macau onde privou com Ramalho Eanes.
A figura franzina, o bigode farto, e a determinação tribunícia revelavam uma figura já marcada pela usura de vida que os dez anos de idade que nos separavam evidenciavam. O Carlos Paisana, companheiro político e amigo até ao seu último sopro de vida, e como diz o Vítor Melícias, um homem verdadeiramente bom, telefonara-me há duas semanas para que eu estivesse presente no próximo domingo na comemoração dos seus oitenta anos. Já não o teremos.
Fomos sempre amigos. Tenho presente o início dessa relação no telefonema que me fez em Fevereiro de 1969 para aceitar integrar a lista candidata aos corpos gerentes da Associação Académica, com votação aberta a todos os estudantes de direito, ainda que não filiados na Associação.
Designámo-la por “Ao Trabalho” e dela fazia parte, para além dele próprio, o António Dias, o Carlos Almeida Fernandes, o Francisco Gonçalves Pereira, que já não estão entre nós, mas também o Jorge Almeida Fernandes, o Vladimir Roque Laia, Duarte Teives, Manuel Castilho e eu próprio.
O Ministro da Educação, Hermano Saraiva, não homologou a lista, o que determinou a ocupação da faculdade e, de seguida, o encerramento temporário dela. Com ironia e a propósito dizíamos que “errare Hermano est”.
Cedo o Arnaldo fez fervilhar a criação de estruturas organizativas estudantis, alargando a sua acção a trabalhadores, a sindicatos e a militares. O conflito sino-soviético estava, então, no auge e ele optou, clara e frontalmente, por um dos lados.
Mao Tsé Tung era uma referência e é neste quadro que nasce o MRPP em 18 de Setembro de 1970, mas também a FEC-ML e a REPAC, a primeira de estudantes que se reclamavam do comunismo e a segunda da resistência anticolonial.
O Arnaldo terminou o curso com altas notas tendo sido sempre um aluno voluntário. Pouco tempo depois de se formar, entrou na clandestinidade. A minha casa foi muitas vezes local de refúgio para ele e, vezes sem conta, conduzi a sua companheira e mulher, prematuramente falecida, Albertina, e o filho Arnaldinho a outras casas onde também se refugiavam.
Senti sempre que a relação muito afectiva que tive com o Arnaldinho, mortalmente atropelado por um carro no Campo Grande com apenas dez anos de idade, uniu-o e à Albertina, ainda mais, à minha pessoa.
Com o 25 de Abril aderi ao PS e a relação de amizade manteve-se sempre. Disse-me muitas vezes: “Os que como tu viveram a luta antes do 25 de Abril aderiram ao PS. Quem surgiu mais tarde foi para a direita”.
Personalidade muito culta, profundamente conhecedor da literatura portuguesa e dos clássicos, tinha um particular gosto em conversar com o Dr. Mário Soares. Era um agradável ouvi-los falar da cultura portuguesa.
Outros amigos que mais proximamente o acompanharam partidariamente não deixarão também de o recordar pela personalidade controversa que foi mas invulgarmente rica.
Era um homem frontal, franco, determinado, profundamente convicto das suas ideias e morreu com elas, facto que hoje é verdadeiramente excepcional. Teve sempre, como disse no início, um grande amigo comum, um homem bom, Carlos Paisana, a quem apresento os meus pêsames e aos dois filhos, a Graça e o Pedro. Nos seus oitenta anos, vou ao restaurante onde tínhamos combinado encontrarmo-nos.