Karl Lagerfeld morreu na manhã desta terça-feira no Hospital Americano de Paris, onde foi internado na segunda-feira, avança a Reuters, citando a Paris Match. O designer da Chanel tinha 85 anos. Karl Lagerfeld é o rosto da moda de autor e de luxo da era pós-costureiros: o homem que simultaneamente estava nos dois mundos, o dos ateliers e rarefacção luxuosa da primeira metade do século XX e o do prêt-à-porter mais pop que simbolizou as grandes mudanças no sistema de moda nos últimos 30 anos.
Atingiu os píncaros da sua carreira — e, argumente-se, do seu talento — quando chegou à direcção da mais emblemática das maisons de mode, a Chanel, em 1983, e também aí ascendeu à popularidade que o tornou esse rosto conhecido por grande parte do mundo, mesmo aquele que não contacta com o universo da moda. As reacções à sua morte não se fizeram esperar. “Nunca esqueceremos o teu incrível talento e inspiração sem fim. Estávamos sempre a aprender contigo”, comentou Donatella Versace. Diane von Fürstenberg chamou-lhe um “génio provocador” e “uma testemunha tão perceptiva de tudo”.
No último desfile da Chanel, durante a semana de alta-costura de Paris, o criador não apareceu no final para agradecer, como é costume — enviando em seu lugar Virginie Viard, directora do estúdio criativo da maison e braço direito de Karl Lagerfeld. Na altura, a marca avançou, em comunicado, que Lagerfeld se sentia cansado. As causas da sua morte ainda não são conhecidas.
Virginie Viard irá sucedê-lo na criação das colecções, anunciou a Chanel em comunicado, citada pelo Libération. “Virginie Viard, directora do Chanel Fashion Creation Studio e a associada mais próxima de Karl Lagerfeld, durante mais de 30 anos, tem a confiança de Alain Wertheimer [co-proprietário da Chanel] para criar as colecções, para continuarmos a viver o legado de Gabrielle Chanel e Karl Lagerfeld”, diz o comunicado.
O criador nasceu em Hamburgo, Alemanha, a 10 de Setembro de 1933, e dedicou toda a sua vida à moda. Não gostou de ser criança, confidenciou numa entrevista à Paris-Match, em 2013. Aos seis anos já falava três línguas (o alemão, que era a sua língua materna, o inglês e o francês), leu A Ilíada e não tinha amigos, enumera. Chegou a Paris, onde a família tinha um escritório de importação e exportação, aos 16 anos para estudar, e tudo começou em 1949, quando acompanhou a sua mãe a um desfile da Dior, recorda a revista francesa Closer.
Anos depois, em 1955, iniciou a sua carreira como assistente de Pierre Balmain. Antes disso, vencera ex aequo com o também jovem Yves Saint Laurent, o primeiro prémio do Secretariado Internacional da Lã. À mesma entrevista na Paris-Match, Lagerfeld confessa a sua amizade com o costureiro francês. “Já não existem pessoas assim”, lamenta.
Em 1965, Lagerfeld juntou-se à Fendi, a convite das cinco filhas do casal fundador da marca de luxo italiana. O jovem designer modernizou a forma como as pessoas olhavam para as peças de pêlo, “reinterpretando-as e transformando-as em peças leves, delicadas”, lê-se na apresentação da marca, no site da LVMH. Em 1977 lançou a primeira colecção de pronto-a-vestir, para a qual ainda hoje contribuía como director criativo, ao lado de Silvia Venturini Fendi, que representa a terceira geração da família.
Durante a década de 1960, começou a colaborar também com a Chloé, e em 1974 tornou-se director criativo da marca, mantendo uma relação próxima com a mesma até ao final do século. É na década de 1980 que entra na Chanel, então dizia que trabalhava 16 horas por dia e que era feliz por o fazer. Ficou 36 anos na casa de moda francesa. Em 1984, fundou a sua marca epónima, que entretanto ganhou um alcance global.
Iconoclasta e polemista
A sua imagem era a sua marca: óculos escuros, cabelo impecavelmente branco e penteado numa poupa com um laço de veludo, camisas brancas, anéis incontáveis nas mãos. O documentário Lagerfeld Confidential (2007) abria a gaveta dos seus anéis, mostrava-lhe as obsessões, a intimidade possível e permitia-lhe as grandiloquências. “A moda é efémera, perigosa e injusta”, postulava Karl Lagerfeld. Sobre si, um poliglota e um leitor voraz, dizia ser “um improviso total”.
Foi emoji, dono de gata ícone (a sua Choupette), colaborador de marcas como a Vans, a Coca-Cola ou a Faber Castell, e faísca inicial do que seriam as populares colecções da marca de moda rápida H&M com criadores de moda — a sua, em 2004, foi a primeira, e o seu êxito ditaria uma estratégia global para as lojas suecas.
Tão emblemático quanto o seu traço na moda era a sua personalidade marcada, sem filtros para os media, capaz de classificar o ex-Presidente francês François Hollande como alguém que “odeia os ricos” e de produzir, há uma década, comentários que hoje são classificados como body shaming. Cultivava a sua magreza depois de uma dieta, no ano 2000, quando decidiu que queria vestir as silhuetas longilíneas criadas por Hedi Slimane para a Dior Homme e por “credibilidade profissional”, como escreveu no diário britânico Telegraph. Nove anos depois, sobre a decisão de uma revista alemã de passar a preferir mulheres “comuns, realistas” ao invés de modelos de medidas exigentes, disse sem rodeios que a decisão tinha sido tomada por “mamãs gordas sentadas frente à televisão com os seus pacotes de batatas fritas a dizer que as modelos magras são feias”.