Sim, Carlos Costa tem um problema
Carlos Costa deve ir ao Parlamento explicar ao pormenor como é que a cultura da Caixa convidava à cegueira. É o mínimo que ele nos deve.
Carlos Costa tem um problema entre mãos, e não é pequeno. A partir do momento que o país soube, através da investigação da revista Sábado, que ele participou em reuniões alargadas para a concessão de créditos ruinosos na Caixa Geral de Depósitos (onde foi administrador entre 2004 e 2006), a sua autoridade enquanto governador do Banco de Portugal ficou obviamente diminuída, e não há grande volta a dar a isso.
É claro que António Costa não vai mexer uma palha para o remover do lugar, e em termos políticos faz bem: afastar um governador de um banco central é extremamente difícil, porque o BCE blindou o lugar face à necessidade de proteger a sua independência da pressão dos governos. Além disso, o mandato de Carlos Costa termina em pouco mais de um ano, e optar agora por um intrincado processo de exoneração seria absurdo. O melhor é deixá-lo cessar funções com a dignidade possível. Isso não significa, contudo, que Carlos Costa não deva explicações sérias ao país, nem que devamos embarcar na cantiga de Paulo Macedo, que ainda na semana passada teve a lata de dizer no Parlamento que “perder tempo com o passado” da Caixa não era, “minimamente”, do seu “interesse”.
Eu percebo perfeitamente que não seja do seu interesse, mas é do maior interesse para Portugal. A posição de Macedo é muito significativa e vale a pena olhá-la de perto, porque ela ajuda a identificar os problemas de Carlos Costa. Tenho, como boa parte dos portugueses, uma excelente impressão de Paulo Macedo e da sua competência. Há três lugares de grande relevância pública que ele ocupou com brilhantismo: foi director-geral de impostos no tempo em que Manuela Ferreira Leite era ministra das Finanças, sendo o grande responsável pela transformação do fisco numa eficientíssima máquina de cobrar dívidas; foi ministro da Saúde durante o período da troika, conseguindo o prodígio de aguentar as pontas do SNS no meio de um tremendo aperto financeiro; e é agora presidente da CGD, conseguindo trazer o banco público de volta aos resultados positivos.
No entanto, Macedo não deixa de ser um homem do sistema político-financeiro português, o que demonstra o quão complexo esse sistema é. A sua vida não foram só actividades admiráveis. Ele esteve no conselho de administração do BCP entre 2008 e 2011, quando o banco era liderado por Carlos Santos Ferreira, tendo ao seu lado Armando Vara – a dupla responsável pelo período mais catastrófico da CGD. Portanto, tanto Macedo como Costa foram companheiros de administração das pessoas que mais contribuíram para afundar a Caixa, e ambos têm agora de comentar e/ou avaliar os créditos obscenos atribuídos pelos velhos compinchas (Carlos Costa, imagine-se, até um monte alentejano comprou a Armando Vara).
Colocado este cenário, não chega a espantar que Macedo afirme com tanta veemência que passar pela CGD não pode ser cadastro. Pudera. Se fosse, ter-se-iam de juntar à lista os cadastrados do BPN, do BPP, do Banif, do BES, do BCP, e a banca portuguesa ficava vazia de quadros superiores – incluindo Paulo Macedo e Carlos Costa. Sou um rapaz pragmático, e percebo os problemas que isso levanta. Mas faço notar o seguinte: ainda que tenhamos de levar com o que há, não temos de fingir que é espectacular. Carlos Costa deve ir ao Parlamento explicar ao pormenor qual o seu papel na atribuição dos créditos nos anos loucos de José Sócrates. Ou, pelo menos, como é que a cultura da Caixa convidava à cegueira. É o mínimo que ele nos deve.