Após a penhora das contas, Braga quer referendar venda do estádio

O presidente da Câmara, Ricardo Rio, quer obter a partir da população a “legitimidade política” para alienar um edifício que já onerou a autarquia em 175 milhões de euros e que está na origem da penhora das contas municipais. Rio acredita que a situação, relativa a uma dívida de quatro milhões ao consórcio construtor do estádio, vai ser resolvida em breve.

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NELSON GARRIDO / PUBLICO

Obra de renome, não tivesse sido ela edificada com os traços de Eduardo Souto de Moura, e palco de inúmeros sucessos da equipa de futebol masculino do Sporting de Braga, actualmente na luta pelo título nacional, o Estádio Municipal de Braga conta uma história bem menos brilhante a nível económico-financeiro, pelo menos na perspectiva da maioria PSD/CDS-PP/PPM que lidera a Câmara Municipal.

O presidente da Câmara de Braga, Ricardo Rio, já revelara a intenção de alienar a infra-estrutura e, numa conferência de imprensa promovida nesta segunda-feira, anunciou a intenção de tomar essa decisão a partir de um referendo local. “Imediatamente após as eleições legislativas, a Câmara irá convocar um referendo local para submeter à votação dos bracarenses a alienação. Uma decisão desta natureza carece de legitimidade política e cidadã”, declarou.

O referendo local é uma solução raramente utilizada em Portugal, mesmo que previsto na Constituição desde 1982. Até hoje apenas cinco referendos locais foram aprovados pelo Tribunal Constitucional, o primeiro deles na freguesia de Serreleis (concelho de Viana do Castelo). Em 25 de Abril de 1999, a população local votou a favor da construção de um polidesportivo, numa decisão vinculativa por ter tido mais de 50% de participação.

Depois de, na sexta-feira, ter recebido a notificação de que as contas da autarquia estavam penhoradas em virtude de mais uma dívida relativa a trabalhos a mais no estádio – quatro milhões de euros ao consórcio Soares da Costa/ASSOC, responsável pela construção do recinto -, o presidente da Câmara frisou que a alienação passou de “desabafo” a “determinação” das forças políticas que lideram a autarquia e admitiu que uma eventual rejeição dos bracarenses nas urnas será uma “derrota política”.

Realizado na antecâmara do Euro 2004 e inicialmente orçada em 65 milhões de euros, o Estádio Municipal de Braga já obrigou o município a gastar até hoje 175 milhões, sem incluir a mais recente dívida que originou a penhora. Mas o custo com um edifício, que, na perspectiva de Rio, é “majestoso em termos de engenharia e arquitectura”, pode ultrapassar os 180 milhões de euros, um valor equivalente a “quase dois anos de orçamento municipal”. Essa fasquia vai ser ultrapassada caso a outra acção interposta pelo consórcio construtor, no valor de 10 milhões de euros, resulte na condenação do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) – nas instâncias inferiores, essa foi a decisão tomada.

E caso a alienação seja aprovada, qual o futuro do estádio? Ricardo Rio admitiu que será difícil recuperar os cerca de 180 milhões de euros gastos numa eventual venda, mas lembrou que os investidores não olham todos da mesma maneira para um activo e que o estádio é uma obra de arte. Actualmente utilizado pelo Sporting de Braga, ao abrigo de um protocolo entre clube e Câmara até 2030, o estádio pode ter um outro uso no futuro, caso seja adquirido por um investidor, mas a equipa de futebol tem sempre a salvaguarda do Estádio 1.º de Maio. O autarca frisou, aliás, que um dos objectivos da venda, além de libertar o município das despesas que ainda possa vir a ter, é angariar receitas suficientes para avançar com a reabilitação do recinto inaugurado em 1950.

Resolução da penhora está para breve

A penhora das contas apanhou a Câmara Municipal de surpresa, até porque a operação financeira para se resolver a dívida já estava a ser montada pelo consórcio, admitiu Rio. A penhora resultou do facto da Soares da Costa querer o dinheiro o mais rapidamente possível, acrescentou.

O autarca mostrou-se convicto de que a autarquia vai saldar a dívida o mais rapidamente possível, apesar de ter reconhecido que contava com os cerca de quatro milhões da alienação da Fábrica Confiança - aprovada pela Câmara e pela Assembleia Municipal, em Outubro de 2018, mas suspensa um mês depois pela providência cautelar de um movimento cívico – para resolver o problema. Rio justificou ainda o prolongamento da situação até hoje com os pareceres que recebeu dos serviços técnicos e jurídicos da Câmara, a darem conta de que não devia ser paga qualquer dívida por trabalhos a mais.

Antes da conferência de imprensa, o tema foi debatido em reunião de Câmara, com os vereadores da oposição a olharem para a situação com preocupação. Para Artur Feio, do PS, a maioria que lidera a Câmara não tem legitimidade para criticar a construção do estádio, nem os trabalhos a mais, depois dos vereadores sociais-democratas de então terem votado favoravelmente. Já o vereador comunista, Carlos Almeida, disse estar receoso de que a penhora seja a evidência de uma situação financeira municipal à “beira da ruptura”.

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